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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Metas de inflação e os ardis da razão


Por Luiz Belluzzo e Gabriel Galípolo
O regime de metas, dizem os entendidos, tem o propósito de definir a regra ótima de reação do Banco Central. Trata-se da regra que, ao longo do tempo, fortalece a confiança dos mercados no manejo da taxa de juros de curto prazo entregue à responsabilidade dos BCs. Ao adequar suas decisões às expectativas (racionais) dos formadores de preços e dos detentores de riqueza, os bancos centrais tornariam mais suave o processo de manutenção da estabilidade do nível geral de preços, reduzindo a amplitude das flutuações da renda e do emprego.
No livro "Interest and Prices", um dos luminares do regime de metas, Michael Woodford recomenda: o regime de metas deve almejar a estabilização dos preços que são reajustados com pouca frequência (sticky prices). Flutuações mais intensas nos preços sujeitos a ajustamentos frequentes ou choques de oferta atípicos devem ser excluídas dos modelos que adotam o regime de metas de inflação. Diz Woodford: "Um regime apropriado de metas deve descartar as flutuações nos preços dos ativos (financeiros) (...). A teoria sugere também que nem todos os bens são igualmente relevantes. Os bancos centrais deveriam adotar a meta de estabilização do núcleo da inflação (core inflation), o que coloca maior ênfase nos preços mais rígidos", ou seja, menos sujeitos a choques de oferta.
A subida de preços nominais pode resultar de choques temporários nos preços das matérias-primas e alimentos ou de um reajuste intempestivo de preços administrados. Choques de oferta devem ser tratados com cautela para não contaminar de forma adversa as expectativas dos agentes. A reação do Banco Central deve considerar também os efeitos negativos sobre a dívida pública e o déficit nominal originados por um "excesso" no manejo da taxa de juros de curto prazo.
A teoria fiscal de Woodford analisa uma economia com estoques de dívida pública e privada. Sua argumentação procura mostrar que, em uma situação de dominância fiscal, a dívida pública segue numa trajetória explosiva se a taxa de juros real se eleva no esforço para atingir a meta. Nessa situação, a queda da inflação agrava a dinâmica perversa da relação dívida/PIB.
O economista-chefe do Citigroup, Willem Buiter, mostra com clareza as dificuldades de execução da política de metas numa situação de dominância fiscal. Constata o óbvio: "A elevação da taxa de juros real causa o crescimento da dívida por duas razões. Primeiro, faz saltar o custo real do serviço da dívida. Segundo, ao reduzir a demanda de bens, serviços e de trabalhadores, a elevação do juro real provoca uma queda da receita fiscal e impede a obtenção do superávit primário".
A desaceleração da economia e as desonerações encolheram sistematicamente o fluxo de receitas que acorrem aos cofres do governo. No acumulado de 2013, a arrecadação bruta das receitas federais evoluiu, em termos reais, a uma taxa de 4,1%. Em 2014 a arrecadação apresentou queda real de 1,8%. Com o ajuste fiscal brasileiro de 2015, a receita caiu mês após mês, acompanhando a queda da renda e do emprego, apresentando queda acentuada de 5,6%, representando o pior desempenho da arrecadação da série histórica, que tem início em 1995.
De 2013 para 2015 a Selic praticamente dobrou, com acréscimo de 7 pontos, prometendo enfiar a inflação na meta, mas entre abril de 2013 e dezembro de 2015 o IPCA subiu 22,35%, depois de um choque de tarifas destinado a alinhar os preços relativos. O argumento de que a política monetária leva tempo para fazer efeito, e o diagnóstico de inflação de demanda, sucumbem ao peso de quase três anos de escalada dos juros e a dois anos de recessão.
O atual sinistro já se descortinava nas opiniões prevalecentes nos mercados antes de 2015. O colapso do PIB e o salto da inflação são indecifráveis sem a colaboração da política monetária. O BC promoveu a elevação na taxa Selic de 7,25% para 14,25% entre abril de 2013 e julho de 2015, com manutenção até outubro de 2016. Comparando o 3º trimestre de 2013, com o 3º trimestre de 2016, a Formação Bruta de Capital Fixo sofreu queda de 28%, o consumo das famílias de 7% e o PIB de 7,8% (IBGE).
Ao fim de 2014, logo após as eleições, a necessária e postergada correção de preços administrados foi posta em prática carecendo de recomendável temperança. Dois erros não fazem um acerto: em dezembro de 2014 a inflação dos preços administrados era de 5,32%, em março de 2015, de 13,37%.
Em 2015 a elevação dos preços medida pelo IPCA foi de 10,67%, sendo que os preços administrados tiveram uma elevação de 18,07%. No ano de 2015 a energia elétrica cresceu 51%, o Etanol 2.
Os preços livres subiram 8,51%. Os efeitos do choque nos preços administrados e do câmbio nos preços livres foram decisivos para o salto da inflação. A indexação, velha senhora, adentrou ao gramado e exigiu uma queda dramática da produção e do emprego para colocar a inflação a caminho da meta.
Em artigo recente, o economista do FMI Shaun K. Roache define a persistência inflacionária como a tendência dos choques de preços de desviar, por um período prolongado, a taxa de inflação de sua trajetória desejada, definida pela meta de inflação. A persistência é importante porque afeta os custos de se levar a inflação para a meta, avaliados pelo "sacrifício" imposto à produção e ao emprego.
No dia 20 de janeiro de 2016 Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo comentou a política e conjuntura econômica brasileira: "Vocês têm uma das mais altas taxas de juros no mundo. Se o Brasil reagisse à queda no preço das exportações com medidas contracíclicas, o país talvez pudesse ter evitado a intensidade da atual crise (...). Esse modelo que diz que, se a inflação está alta, você sobe os juros é uma teoria que foi desacreditada. É preciso saber qual é a fonte da inflação. Se for excesso de demanda, aí você sobe os juros, porque tem que moderar a demanda. Mas se for um impulso por custos, você tem que ser cuidadoso. Nesse caso, a forma pela qual a alta de juros reduz a inflação é matando a economia (...) "
Os resistentes da seita das expectativas racionais se contorcem para conciliar a inflação e a indemonstrável hipótese do hiato do produto potencial, no espartilho da curva de Phillips.
Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. 
Gabriel Galípolo é professor do depto. de economia da PUC/SP, é sócio da Galípolo Consultoria

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