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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O economista incendiário

Por Alex Ribeiro Divulgação John Cochrane, de 59 anos: economista põe em xeque as teorias de que subir juros leva a uma inflação menor Autor do trabalho acadêmico que deu origem a uma polêmica entre economistas brasileiros sobre a receita pouco ortodoxa de o Banco Central cortar os juros para baixar a inflação, o professor John H. Cochrane, da Universidade de Stanford, é taxativo: "Desaconselharia veementemente". O trabalho para discussão de Cochrane, com 153 páginas recheadas de equações matemáticas, virou a leitura do verão dos interessados nos intrigantes juros altos do Brasil.
 A polêmica começou com um artigo publicado no Valor pelo economista André Lara Resende, em 13 de janeiro, com o título "Juros e conservadorismo intelectual", que cita as pesquisas do professor de Stanford. Esse artigo deu origem a outros quatro neste jornal, sem falar no debate que se espalhou para outros veículos de comunicação.
 Em entrevista por telefone, Cochrane, de 59 anos, relata os conflitos que ele mesmo sente com as conclusões de seu próprio trabalho, que numa tradução livre tem o nada atrativo título de "Michelson-Morley, Occam and Fisher: As Implicações Radicais da Inflação Estável com Juros Perto de Zero". Ele examina a condução da política monetária pelas economias avançadas desde a crise financeira mundial de 2008, quando os juros ficaram perto de zero e os bancos centrais imprimiram muito dinheiro sem causar as tragédias da deflação ou da hiperinflação que muitos temiam.
 O trabalho de Cochrane põe em xeque as teorias em uso pelos bancos centrais de que subir juros leva inevitavelmente a uma inflação menor. Na verdade, seria o contrário: existiria uma relação de longo prazo entre juros altos e inflação alta. É o que se chama hipótese neofisheriana, em uma referência ao economista americano Irving Fisher (1867-1947). Aos achados de Cochrane, juntaram-se visões dos economistas brasileiros que colocaram a colher na polêmica, tropicalizando as conclusões. Será que temos inflação alta no Brasil apenas porque os juros são altos? Não seria prudente estudar melhor essas conclusões antes de colocar em prática? O ponto essencial do trabalho de Cochrane não seria a política fiscal, não a monetária? Faltava saber como o autor do trabalho original via as suas próprias conclusões.
 Cochrane, que até recentemente era professor da Universidade de Chicago, mantém um blog chamado The Grumpy Economist, ou o economista mal-humorado. Na verdade, o nome do blog parece apenas mais uma brincadeira desse economista bem espirituoso que faz troça de colegas de profissão que levam muito a sério o último estudo que tiraram do forno. O professor faz algumas ponderações sobre o que há de assentado nas suas conjecturas, dizendo que não aconselharia ao Federal Reserve a segui-las. Para ele, o trabalho deve ser visto mais como um alerta de que os BCs sabem menos do que acreditam sobre o funcionamento dos juros. "Vá devagar", recomenda aos banqueiros centrais. Para além da discussão sobre a troca dos sinais de como os juros afetam a inflação, Cochrane prega um foco maior na política fiscal para atingir a estabilidade de preços do que apenas na política monetária. Questionado sobre como as conclusões de seu trabalho se aplicam ao Brasil, o professor inicialmente se diz pouco informado sobre a situação do país. Mas, ao tomar conhecimento dos principais números sobre inflação, juros e dinâmica da dívida pública, conclui que o ajuste fiscal precede qualquer discussão sobre política monetária. "Se o BC baixar os juros sem resolver o problema fiscal, com todo esse medo que as pessoas têm da inflação, desvalorizações cambiais e aumento de impostos, provavelmente não iria funcionar", disse ele. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista: Valor: Como a crise financeira de 2008 muda a maneira como vemos a política monetária?
 John H. Cochrane: Tivemos esse longo período de juros muito baixos e estáveis nos Estados Unidos e na Europa, e mais longo ainda no Japão, desde meados da década de 1990. E o fato marcante é que nada aconteceu. Tivemos juros baixos e inflação bem baixa e sob controle. A atividade econômica avança de forma muito lenta, mas de forma muito estável nesta lentidão. Você vai me perguntar: por que você está tão agitado com a política monetária, se está tudo tão estável? 
Valor: Por quê, então?
 Cochrane: Os economistas estão ficando agitados porque todas as teorias existentes sobre política monetária previram que coisas terríveis poderiam acontecer. Quando você chegasse a juros perto de zero, haveria uma espiral deflacionária. Isso não ocorreu. Outra teoria dizia que, quando os juros chegassem a zero, teríamos um problemão: a inflação iria pular para cima e para baixo de forma inesperada porque o Federal Reserve não poderia subir os juros. Isso também não aconteceu. Quando os bancos centrais começaram esses programas gigantes de compras de títulos, em contrapartida imprimindo trilhões de dólares em dinheiro, havia aquele medo: "Hiperinflação, aqui vamos nós!". Nada disso aconteceu. "Se o BC baixar os juros sem resolver o problema fiscal (...), provavelmente não iria funcionar", afirma o professor John Cochrane
 Valor: O que isso nos diz sobre as teorias monetárias?
 Cochrane: Na década de 1970, a economia monetária dizia para a gente não se preocupar, por que tudo estava sob controle. Quando explodiu a inflação, todo mundo entendeu que havia alguma coisa errada com uma teoria monetária que não avisa que algo grande iria ocorrer. Bom, tem algo igualmente errado com a economia monetária quando ela diz que algo enorme vai acontecer, mas nada ocorre. 
Valor: Tudo o que sabíamos sobre política monetária estava errado? Cochrane: Em economia, é muito difícil provar que algo está errado. Minha visão é que esse é um momento revelador. Sugere que muita coisa que se acreditava estava errada. Veja quantos formuladores de política econômica ficaram preocupados com uma espiral deflacionária. Estou procurando manter o recato acadêmico, mas a questão é que isso parece simplesmente errado. Como parece errada a visão de que a expansão quantitativa causaria uma hiperinflação.
 Valor: Mas a política monetária funcionou tão bem com Paul Volcker, um bom pedaço de Alan Greenspan e as metas de inflação. Cochrane: Sim. A grande questão é por que funcionou. Quando você junta as peças para formar uma teoria, ela deve tanto explicar por que as coisas funcionaram tão bem lá atrás quanto por que as coisas continuaram a funcionar bem quando não deveriam estar funcionando.
 Valor: Como explicar, então?
 Cochrane: Uma das respostas - e isso é parte das discussões do meu trabalho - é um foco maior em política fiscal do que apenas no que os bancos centrais fazem. Na era Volcker, o que importou não foi apenas o que o Federal Reserve estava fazendo com as taxas de juros. Também tivemos uma grande reforma tributária, e o déficit público caiu enormemente, de tal forma que na década de 1990 havia preocupações de que o governo poderia estar pagando completamente a dívida pública. No Brasil e em outros países, certamente houve tentativas de repetir o que Volcker fez. Algumas deram certo, outras não. Quando você examina as que deram certo, foram aquelas em que as políticas fiscal e monetária trabalharam juntas, e você cortou o déficit. As que não funcionaram foram as que a política monetária tentou fazer algo, mas a política fiscal estava ainda amortecendo. Acho que essa é minha reflexão central que junta a experiência dos anos 1980 com a atual. Valor: Então a política fiscal é a chave para ter a inflação baixa e estável?
 Cochrane: Sim. Mas aí você vai me dizer: "Você está brincando, estamos com déficits enormes!". Certo, a política fiscal está se saindo bem apenas porque os juros estão tão baixos e os governos são capazes de tomar dinheiro emprestado tão barato. Mas isso pode desaparecer rapidamente, como a pobre Grécia descobriu. Acho que agora só estamos bem em grande parte porque os investidores em títulos públicos estão querendo acreditar que, cedo ou tarde, os governos vão pagar as suas dívidas. Mas, se eles mudarem de ideia, estaremos encrencados mais cedo do que a maior parte das pessoas acredita. Valor: Muita gente tem prestado atenção para a ideia discutida em seu trabalho de que estamos vivendo num mundo muito particular em que subir os juros levaria a uma inflação maior. O senhor poderia nos explicar isso? Cochrane: Eu mesmo estou me debatendo com essa ideia, tenho que reconhecer. Mas, como economista, tenho que trabalhar com os fatos. Essa é a ideia: talvez estejamos todos condicionados a pensar que juros mais altos significam inflação mais baixa, e juros mais baixos, inflação mais alta. Mas sabemos que, no longo prazo, que juros mais altos andam junto com inflação mais alta. No Brasil, por exemplo, quando você tem inflação mais alta, você também tem juros mais altos, certo?
 Valor: É o que costuma acontecer.
 Cochrane: Então vamos juntar as peças. O que vimos nos Estados Unidos e no exterior depois da crise financeira são juros muito baixos e inflação que é muito estável. Isso sugere que a inflação é estável ao redor da taxa de juros. Isso de certa forma leva a que, se temos a taxa de juros estável de 5%, a inflação terá que subir para se igualar à taxa de juros. É o que se depreende apenas da observação da estabilidade. Talvez isso seja algo apenas de longo prazo, talvez seja um mergulho temporário na direção contrária, algo que meu trabalho discute um bocado. Mas o fato de que no longo prazo uma taxa de juros mais alta vai junto com uma inflação mais alta é uma consequência lógica da estabilidade que vemos hoje. Não sei se acredito nisso, mas de certa forma estou sendo compelido pela lógica do que eu estou vendo. Bloomberg Cochrane diz que não aconselharia o Fed (na foto) a seguir suas descobertas: seu trabalho deve ser visto como alerta de que os BCs sabem menos do que pensam sobre os juros Valor: O senhor seria capaz de aconselhar bancos centrais com base nessas investigações? Cochrane: De novo, tenho que ter um pouco de recato científico nesse ponto. Procuro empregar em mim mesmo o que eu cobro de outros economistas. Acho que muitos dos meus colegas são muito rápidos em dizer: "Vejam, meu último trabalho para discussão diz que a Lua é feita de cream-cheese! Então, vamos enviar aspiradores à Lua para trazer para Terra todo aquele cream-cheese!". Esse é o meu último trabalho para discussão, eu passo minha vida pensando sobre essas coisas. Acho que a conclusão é uma consequência lógica. Mas não vou entrar na armadilha de recomendar ao Federal Reserve que dê um mergulho no meu último trabalho. Valor: Como o Federal Reserve deve agir, agora que está em curso um processo de lenta alta de juros?
 Cochrane: Como disse, quero evitar dar conselhos para o Federal Reserve naquilo que eles fazem. Mas acho que, seja lá o que fizerem, é importante que o façam de forma previsível. Também sugeriria ao Fed parar de falar tanto, seja lá o que fizerem, baixar ou subir a taxa de juros.
 Valor: Mas teria alguma recomendação mais geral aos bancos centrais?
 Cochrane: Acho que é bastante claro a partir de meu trabalho e de outros que os bancos centrais entendem o sistema em que operam muito menos do que pensam. Eles operam como se todo mundo soubesse que alavanca está conectada a cada resultado. Isso é absolutamente falso. Então diria: olhe, há uma forte chance de que, quando você vira o volante para a direita, o carro vai para a direita, não para a esquerda, como você acredita. Quando você sobe os juros, tem uma forte possibilidade de que na verdade você vai subir a inflação. Não posso garantir o que você vai encontrar pela frente, não vou falar para você conduzir com certeza em alguma direção. Acho que esse é um argumento para, pelo menos, os bancos centrais serem muito menos ativos, no sentido de ser menos reativos a cada nova peça de informação. Os banqueiros centrais não sabem como essas coisas realmente funcionam. Há uma grande chance de que você se amarrou na direção errada. Vá devagar.
 Valor: O que é preciso estudar para descobrir como as coisas realmente funcionam em política monetária?
 Cochrane: Estamos numa situação muito afortunada. Discutimos muito sobre política monetária. Mas, nos Estados Unidos, podemos até não saber como as coisas funcionam, mas as coisas que esperamos da política monetária saíram perfeitas. A política monetária deve buscar inflação baixa, juros baixos e o máximo de emprego que o dinheiro é capaz de dar. Quando checamos os itens dessa lista, temos todos os três. Está certo que a economia está andando devagar demais, mas o dinheiro é capaz de lhe dar alguns meses, um ano, dois anos. Dinheiro é como um cappuccino, dá uma energia para ir levando por um tempo, mas ao meio-dia você está com sono de novo. Mais cappuccinos não vão te segurar numa maratona.
 Valor: O que vai segurar?
 Cochrane: O crescimento econômico tem que vir das reformas estruturais. Não estamos numa crise da política monetária. Temos tempo para descobrir como ela funciona. Mas diria que estamos gastando muito tempo com o foco na coisa errada, que é subir e baixar as taxas de juros. As grandes coisas na política monetária são as coisas estruturais. Regular os bancos, medidas macroprudenciais, definir se os bancos têm que manter um balanço muito grande, decidir se quem paga a conta será eu e você. São temas mais importantes, eu acho.
 Valor: O que o senhor recomendaria para o Brasil baixar a taxa de inflação e nossos juros muito altos?
 Cochrane: Não sei muito sobre o Brasil. Qual é a situação?
 Valor: Os juros básicos estão em 13% ao ano.
 Cochrane: E a inflação?
 Valor: Estava perto de 11%, agora caiu para pouco mesmo que 5,5%. Cochrane: Uau! 
Valor: Alguns têm sugerido que, se cortarmos os juros, a inflação vai baixar.
 Cochrane: Obrigado por levantar esse ponto. Eu desaconselharia isso veementemente. Existe um perigo. Certamente, a teoria que estamos trabalhando diz que você pode baixar a inflação no longo prazo com taxas de juros mais baixas, desde que você tenha uma política fiscal sólida como uma rocha. Quando todo mundo acredita que o governo está fazendo um bom trabalho. Entendo que o governo brasileiro não tem uma política fiscal sólida como uma rocha, não é?
 Valor: O governo tomou medidas para limitar os gastos públicos, mas ainda assim a dívida bruta deverá subir a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) antes de se estabilizar e cair.
 Cochrane: Então eu diria que uma boa parte dos juros é um prêmio de risco, no sentido de que as pessoas estão preocupadas de que a inflação poderá subir rapidamente, de que poderá haver uma forte e repentina desvalorização da moeda ou estão preocupadas com algum tipo de aumento de impostos. Estão preocupadas. A visão neofisheriana é a descrição apenas de uma economia muito tranquila, onde tudo está funcionando muito bem. De fato, a causa desses problemas não necessariamente está no Banco Central.
 Valor: Onde estaria?
 Cochrane: Alguns dos melhores exemplos de vitória contra a inflação, num reconhecido estudo do economista Thomas Sargent, ocorrem quando você resolve o problema fiscal. Então a inflação cai, e a taxa de juros cai também. A inflação baixa consistentemente, mas apenas porque você resolveu o problema fiscal. Por isso acho que, se o Banco Central baixar os juros sozinho sem resolver o problema fiscal, com todo esse medo que as pessoas tem da inflação, desvalorizações cambiais e aumento de impostos, provavelmente não iria funcionar. Acompanhe a discussão que as ideias de Cochrane geraram nas páginas do Valor:
 Juros e conservadorismo intelectual - o primeiro artigo de André Lara Resende
 Nada de novo no debate monetário no Brasil - a réplica de Marcos Lisboa e Samuel Pessoa
 Teoria, prática e bom senso - a tréplica de André Lara Resende
 Neofisherianismo: vai entender - a contribuição de Eduardo Loyo
 Taxa de juros e inflação - a opinião de José Júlio Senna André Cochrane e a teoria fiscal dos preços - o comentário de Francisco Lafaiete Lopes

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