quarta-feira, 7 de novembro de 2012

EBP: uma inovação brasileira


Cristiano Romero*
O Brasil perdeu, depois de 20 anos de estagnação nas décadas de 80 e 90 do século passado, a capacidade de planejar e formular projetos de infraestrutura. Por causa da crise fiscal, o Estado passou a demandar obras em escala muito menor que a verificada nas décadas anteriores. No momento seguinte, iniciou o desmonte dos órgãos públicos criados no passado para planejar e elaborar projetos.
Com o início da estabilização da economia na segunda metade dos anos 90 e a retomada do crescimento econômico, em ritmo mais acelerado, na primeira década deste século, a demanda por infraestrutura aumentou de forma exponencial. O governo reagiu à novidade com planos grandiosos, tanto na gestão de Fernando Henrique Cardoso (Brasil em Ação) quanto na de Luiz Inácio Lula da Silva (PAC).
Nos dois casos, constatou-se que o setor público, salvo raras exceções, não sabe mais elaborar projetos. Nesse quadro, surgiu uma perigosa distorção: os projetos de infraestrutura, de interesse público, passaram a ser elaborados pelo setor privado, na verdade, pelas empresas interessadas em tocar os projetos. Houve situações em que uma companhia fez o projeto básico de uma usina hidrelétrica, entrou depois na licitação e ganhou a concessão. O conflito de interesses é gritante. O espaço para corrupção é gigantesco, afinal, cabe ao setor privado convencer o setor público da importância de uma determinada obra. Uma vez "convencido", o Estado abre licitação e o autor do projeto pode participar da disputa.
Projetos concluídos têm impacto estimado de R$ 53 bilhões
As coisas estão começando a mudar. Há três anos, um grupo de bancos estatais e privados decidiu criar a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), uma empresa com a missão de desenvolver projetos de infraestrutura, sempre sob demanda do Estado. Trata-se de uma inovação que já chamou a atenção, por exemplo, da Organização das Nações Unidas.
A EBP é uma empresa privada. Ela tem nove sócios, todos com partes iguais no capital: dois estatais (BNDES e Banco do Brasil) e sete privados (Bradesco, Citibank, HSBC, Santander, Itaú BBA, Banco Votorantim e Banco Espírito Santo). Por que esses bancos se juntaram para criar a EBP? A resposta é simples: para criar demanda por seus financiamentos, com a segurança de projetos tecnicamente bem elaborados.
A EBP desenvolve projetos de infraestrutura tradicional (rodovias, aeroportos, ferrovias, hidrovias, portos, plataformas logísticas, transporte urbano, saneamento) e social (hospitais, escolas, creches, centros de ressocialização). Se um prefeito quer construir uma ponte, ele chama a EBP para, sob suas diretrizes, realizar os estudos técnicos de engenharia, meio ambiente e modelagem econômico-financeira, bem como para definir os instrumentos jurídicos (minuta do edital e do contrato de concessão ou da Parceria Público-Privada).
O interessante é que a prefeitura, o governo estadual ou a União não são obrigados a seguir o projeto da EBP. "A autorização do governo é concedida sem caráter de exclusividade, não gera direito de preferência para a outorga da concessão, não obriga o poder público a realizar a licitação, não cria, por si só, qualquer direito de ressarcimento dos valores envolvidos na sua elaboração e é pessoal e intransferível", explica o diretor-geral da empresa, Hélcio Tokeshi.
A EBP só é remunerada, portanto, se o projeto for aprovado pelo ente público. E o pagamento é feito pela empresa vencedora da licitação. No estatuto da EBP, foram fixados parâmetros para evitar riscos de conflito de interesses. Ela está impedida, por exemplo, de elaborar estudos ou assessoria técnica a potenciais concorrentes em licitações de projetos de infraestrutura.
A EBP não pode investir em projetos nem oferecer garantias para financiamentos de obras. Além disso, está impedida de participar do capital de outras companhias. Para completar, não podem integrar sua equipe pessoas que tenham tido vinculação direta ou indireta há menos de seis meses com algum de seus acionistas. Os compromissos são para valer. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) só aprovou a criação da empresa sob a condição de que esses princípios sejam perenes.

A EBP é uma firma enxuta. Possui 14 funcionários, sendo quatro diretores, quatro analistas e seis empregados da área administrativa. Seu diretor-geral, Hélcio Tokeshi, foi encontrado no mercado por uma empresa caçadora de talentos. Tokeshi é especialista em concorrência, foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, diretor da McKinsey & Co. e economista do Banco Mundial. Hoje, é um dos maiores especialistas do país em infraestrutura.
Para realizar os estudos, a EBP contrata, por meio de concorrência mas com a agilidade do setor privado, firmas de consultoria. O trabalho está produzindo resultados. Em três anos de atuação, concluiu oito projetos, tem outros oito em andamento e apenas três foram suspensos.
O impacto econômico dos projetos já aprovados até a conclusão dos contratos é significativo - entre Capex (compra de ativos e gastos com construção e máquinas e equipamentos) e Opex (salários, manutenção, reparos, depreciação de máquinas), estima-se algo como R$ 53 bilhões. No caso dos projetos ainda não concluídos, o impacto esperado é de R$ 5 bilhões.
Foi a EBP que fez os estudos de reforma e ampliação do estádio do Mineirão; de construção da nova rodoviária e do hospital metropolitano de Belo Horizonte; de ampliação dos três aeroportos já entregues à gestão privada (Guarulhos, Viracopos e Brasília); de reforma do trecho da BR-101 que corta o Estado do Espírito Santo; e de obras de esgotamento sanitário no Rio de Janeiro. É a empresa que está preparando o projeto de concessão, ao setor privado, de 5.700 Km de rodovias federais.
Esse é o caminho para o país destravar os investimentos públicos e privados em infraestrutura, necessários à redução dos gargalos que tornam a economia brasileira menos competitiva. Some-se a esse esforço a criação, pelo governo, da EPL (Empresa de Planejamento e Logística) e da EPE (Empresa de Planejamento Energético), esta ainda no primeiro mandato do presidente Lula, ambas com a missão de planejar a infraestrutura do país.
*Editor Executivo do jornal Valor Econômico

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