quarta-feira, 17 de maio de 2017

Cerco de militantes traça fronteira de gueto do PT


Reprodução
Demetrio Magnolli*
A charge de Hubert, à página A2 da Folha(10.mai), no "Dia do Depoimento", é a mais refinada tradução da operação em curso. Se ela contivesse apenas as imagens de Lula e Moro encarando-se como duelistas, seria mera reiteração da narrativa dominante, construída pelo lulopetismo. Mas o autor dribla a armadilha, inserindo um Chico Buarque, símbolo do PT estampado no peito, que cantarola "olhos nos olhos, quero ver o que você diz...".
A narrativa é só uma interpretação, configurada para uso político –eis a mensagem da charge. Cabe acrescentar dois registros: 1) o sucesso dos seus fabricantes deve-se, em larga medida, à adesão de correntes odientas de direita, que a repetem, mas para celebrar Moro; 2) Quando triunfa na produção dessa versão, o lulopetismo cava um buraco para si mesmo, depredando seu futuro.
"Se um dia eu tiver cometido erro, não quero ser julgado só pela Justiça, quero ser julgado pelo povo brasileiro", clamou Lula na praça.
"Quando um político comete um erro, é julgado pelo povo, não pelo Código de Processo Penal", teorizara antes, diante de Moro, para acrescentar que "eu já fui julgado pelo povo". Política é, sobretudo, a formulação de narrativas, de preferência duais: Povo vs. Elite, Progresso vs. Reação, Mercado vs. Estado etc.
Lula escolheu uma polaridade singular: Povo vs. Justiça. Funciona, para objetivos imediatos, mas gera sequelas incuráveis. O cerco de um tribunal pela massa de militantes, expressão teatral da narrativa escolhida, traça uma fronteira de gueto ao redor do PT.
A ideia do "julgamento pelo povo", elemento crucial da narrativa, funda-se na deliberada confusão entre política e justiça. O "erro" político será (ou não) julgado pelos eleitores. O crime, exclusivamente pelo sistema de justiça.
Não é casual a seleção da palavra "erro" para fazer referência a crimes. Nela, encontra-se a articulação semântica da versão que procura exibir o sistema de justiça como um ator do jogo político. Na imprensa, "companheiros de viagem" reverberam a narrativa partidária por meio da expressão "Partido da Justiça". O sistema de justiça, porém, não tem partido –ao menos nas democracias.
Existe a hipótese de que Moro tenha decidido perseguir Lula? Eduardo Cunha e dezenas de outros réus da Lava Jato apresentam-se igualmente, como perseguidos. Mesmo assim, a hipótese não pode ser descartada. Quem acredita nela –e, ao mesmo tempo, no sistema de justiça das democracias– deve apelar às instância judiciais superiores, não à gritaria da militância.
Mas, hoje, quando a coisa é com ele, Lula segue o exemplo de José Dirceu, declarando-se um perseguido político. É um passo do qual o ex-presidente se poupara, no passado recente, quando fez a promessa (vazia) de "provar", na esfera dos tribunais, a "farsa" do processo do mensalão.
Lula não equivale a Povo, exceto num tipo de propaganda incapaz de ocultar sua alma autoritária. Moro também não equivale a Justiça. O juiz de primeira instância é apenas um nexo de um sistema que abrange a Polícia Federal, os procuradores, os advogados de defesa e as instâncias superiores do Poder Judiciário.
Os conflitos entre Moro e tribunais superiores e entre o Ministério Público e o STF (Janot vs. Gilmar Mendes) não são indícios de uma desordem, mas sinais do funcionamento regular de uma ordem assentada na autonomia das instituições. Já a convocação da militância para sitiar um juiz reflete inconformidade com a democracia: o desejo de que o Povo (entenda-se: o Partido) assuma as funções do sistema de justiça.
Na Venezuela, é isso que acontece, sob aplausos do PT. O tribunal superior obedece aos comandos do Povo –isto é, do Partido, ou seja, do regime chavista. O Lula de Curitiba, que ergue o punho contra o sistema de justiça, veste a fantasia de Nicolás Maduro. É carnaval eleitoral – mas é um buraco.

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