Pedro Tourinho*
Estamos no tempo do excesso de acesso.
As relações de tempo e espaço foram completamente relativizadas. Hoje as maiores lojas do mundo não têm prateleiras, mas têm um estoque do tamanho do mundo. E já não importa mais quanto tempo levo até chegar à esta loja, e sim quanto tempo o produto leva para chegar até a minha casa. A programação da televisão, ou a lista dos lançamentos no cinema, também já não são assim tão importantes. Os sites de torrent, o iTunes e, pasmem, as próprias emissoras de televisão, já estão disponibilizando seu conteúdo na internet, às vezes até mesmo de graça. E na semana em que a gigante Blockbuster anunciava sua falência, o Youtube lança seu canal de filmes gratuitos e na integra, com qualidade HD. Quão sintomático é isso?
As relações pessoais também mudaram. Hoje, temos acesso a vida de qualquer pessoa apenas digitando seu nome no Google. Qual empresa trabalha, quando passou no vestibular, a data de aniversário, fotos da formatura, ultimas mensagens trocadas no twitter, quem são seus amigos no facebook ou em que festa estava presente no último final de semana. Pois é, as redes sociais são as novas colunas sociais, e muito mais poderosas, pois todo mundo pode entrar.
Quando falamos em entretenimento, a mudança é ainda mais emblemática, pois esta industria sempre se baseou na lógica da exclusividade para agregar valor a seus produtos e serviços.
O show que ninguém jamais havia visto. A festa com celebridades que só se viam na TV. Os encontros musicais que só aconteciam na varanda da casa de Caetano. A vista da festa que só existia para quem tinha a pulseira do camarote. E vamos além, os melhores e mais exclusivos comentários sobre o que acontece, que antes estava restrito às rodas de amigos, ou às colunistas sociais mais engajadas, agora estão expostos e disponíveis para milhões de pessoas através de trocas de mensagens no Twitter. Pois é, democratizaram até a fofoca.
Sem dúvida, a internet, e todas essas novas tecnologias baseadas nesta plataforma, surgiu para democratizar o acesso à informação, produtos, serviços e, por incrível que pareça, à pessoas. Surgiu também para dar à cada indivíduo o poder da escolha, o tal do livre-arbítrio que todos acreditávamos ter. Saímos de uma sociedade baseada em hábitos de consumo e partimos para um outro momento, em que todos nós temos “escolhas de consumo.”
Mas como escolher a decisão mais certa diante de tantas opções, tendo acesso à tantas possibilidades? Um estudo feito pela UCLA, comprovou que o aumento da quantidade de decisões que somos obrigados a fazer diariamente estão entre as maiores causas de stress do cidadão atual.
Comprar uma barra de cereal não é mais tão simples a partir do momento em que existem dezenas de opções diferentes no mercado. Cada uma com sua composição, seus ingredientes, suas embalagens e seu posicionamento de marca. Quem nunca se deparou perdido na frente de uma prateleira de um super mercado tentando entender a diferença entre os diferentes tipos e marcas de detergentes? São decisões que há 20 ou 30 anos, de tão simples, nem eram consideradas decisões.
E nesta loucura de informações e de possibilidades surge talvez o papel mais importante da nossa sociedade atual: o curador. Sejam pessoas ou entidades, seja através de paramêtros, editorias, critérios, afinidade ou até mesmo algoritmos, como é o caso do Google, não conseguiremos mais sobreviver a esta avalanche de conteúdo sem alguém que nos pegue pela mão e nos guie exatamente até onde queremos chegar, até o que realmente queremos consumir.
Administrar o excesso de acesso a tudo e todos é sem dúvida um dos grandes desafios que teremos de passar tanto como sociedade, quanto como indivíduos. Num tempo em que todos têm este poder, o diferencial é saber o que fazer com ele.
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@PedroTourinho
ps. texto originalmente publicado na Revista Lícia
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