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quinta-feira, 5 de maio de 2011

A França e o Paquistão

Gilles Lapouge*
O primeiro-ministro do Paquistão, Yousuf Raza Gilani, está na França para uma visita de três dias. A viagem adquiriu um perfume particular na esteira da morte de Osama bin Laden, porque a execução do líder terrorista pelos americanos ocorreu de fato no Paquistão. Depois disso, reina uma tensão viva entre paquistaneses e países ocidentais.
Cada um suspeita de "jogo duplo" e de mentiras do outro. Os paquistaneses se espantam com a desenvoltura dos americanos, que nem sequer informaram suas intenções e operaram violando alegremente a soberania do Paquistão.
O Daily Times, jornal liberal paquistanês, fala de um "enorme embaraço". O poder paquistanês está sob um tiro cruzado de todos os lados. No interior do país, islâmicos e nacionalistas (que são numerosos) acusam Islamabad de ter deixado os americanos agirem impunemente no Paquistão.
Desconfianças. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, o governo paquistanês precisa enfrentar as desconfianças do Ocidente. Como é possível, perguntam os ocidentais, que Bin Laden tivesse conseguido se esconder por tanto tempo em uma cidade paquistanesa sem que sua presença fosse detectada pelos serviços que, em tese, deveriam colaborar com Washington para localizar e, se necessário, abater esse "mal absoluto"?
Por trás dessa polêmica áspera, um agência específica virou alvo: o Serviço Interno de Inteligência (ISI, o serviço secreto paquistanês). Essa instituição, muito poderosa, está impregnada das ideias jihadistas e islâmicas. Passionalmente antiamericano, o ISI, em vez de perseguir os terroristas escondidos na região tribal, na fronteira do Paquistão com o Afeganistão, se dedica, sobretudo, segundo os americanos, a fechar os olhos - quando não dá uma ajudazinha ao Taleban.
Antiamericanismo. Surpreende que só hoje essas acusações sejam exprimidas. Há anos que todo o mundo conhece esse "segredo de polichinelo". Se o governo paquistanês do presidente Asif Ali Zardari colabora, em teoria, com os americanos, em compensação, está claro que os militares, em geral, e sobretudo os agentes do ISI são adeptos das pregações inflamadas dos amigos de Bin Laden ou do Taleban.
Desse ponto de vista, por seu virulento antiamericanismo e por sua indulgência com os islâmicos radicais, os generais do ISI se unem à opinião dominante do povo paquistanês.
Nesse contexto antiamericanista, um elemento joga um papel decisivo: o conflito que, desde gerações, opõe os dois países resultantes da partilha da Índia em 1948 - a Índia inumerável, ocidental e bramânica, e o Paquistão, menos povoado (100 milhões de habitantes) e muçulmano. Ora, está claro que os americanos apoiam a Índia, grande democracia no estilo ocidental, e não gostam nem um pouco do perigoso e febril Paquistão.
A França também padece, como hoje se percebe por ocasião da visita de Gilani. Como as relações entre Paris e Nova Délhi são, no conjunto, fecundas e confiantes, o Paquistão se ressente.
Dois exemplos: a Índia pré-selecionou dois aviões europeus, o Rafale e o Euro Fighter. Ela também encomendou a construção de dois reatores nucleares EPR da francesa Areva. De repente, o Paquistão desconfia que a França está privilegiando sua relação econômica e política com seu inimigo hereditário, a Índia, e não mede palavras para expressar o seu descontentamento e, por vezes, seu furor com relação a Paris.
* Correspondente em Paris de O Estado de São Paulo
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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