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quarta-feira, 18 de maio de 2011

O socialismo francês e o abismo

O caráter delirante do episódio dá espaço para várias suposições, mas o fato é que o homem admirável quebrou a cara
Gilles Lapouge *
O fim de semana de todos os franceses foi inteiramente consagrado a ver e rever na TV as mesmas cenas que se repetiam e pareciam saídas da série americana Law & Order (Lei e Ordem). Mas o homem que estava no centro desse balé televisivo não era um bandido americano nem um ator, mas um verdadeiro senhor, um francês. Um dos homens mais poderosos do planeta.
Na direção do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn distribuiu bilhões de dólares para salvar a Grécia, Portugal, Irlanda e a zona do euro. Na França, estava pronto para vencer a próxima eleição presidencial contra o atual presidente Nicolas Sarkozy.
Vida fabulosa a de Strauss-Kahn. Homem impertinente, desenvolto e sedutor, atravessou vários "desertos políticos" para sair sempre mais forte do que antes. Agora, no momento de sua escalada ao topo, surgem esses poucos minutos obscuros, em um quarto de hotel nova-iorquino, onde se encontrava uma camareira. Nesse ponto, a tela fica escura durante alguns minutos.
O que ocorre nessa sequência obscura só o homem todo poderoso e a humilde camareira sabem. Não sabemos de nada. Só podemos medir seus efeitos: o fabuloso destino de Strauss-Kahn se desfez em pedaços. O homem admirável quebrou a cara.
Na realidade, não é verdade que não sabemos de nada sobre o misterioso encontro entre ele e a camareira: muitos internautas descreveram esses breves minutos como se estivessem escondidos em um armário da suíte. Curiosamente, nem todos presenciaram o mesmo espetáculo: alguns viram Strauss-Kahn nu, batendo na mulher, cercando-a, exigindo uma felação. Outros, com mais claridade, viram o contrário: que nada se passou.
Strauss-Kahn saiu tranquilamente do hotel e seguiu para o aeroporto, para tomar seu avião para Paris. Para esses internautas, o testemunho da camareira se transforma num romance, nascido da sua mente doente, ou talvez o elo de um vasto complô mundial, uma armadilha destinada a cortar o pescoço de Strauss-Kahn. Os internautas dizem até quem armou a cilada: Sarkozy, querendo se livrar de um rival temido.
Pode ser a CIA, desejando dar um golpe no diretor do FMI, culpado de enfraquecer o dólar com suas manobras para salvar o euro. Outra hipótese: terá sido um rival socialista procurando tirá-lo das eleições. Ou talvez um marciano. Ou ainda um cidadão da Mongólia que não gosta de judeus.
Suposições. Uma observação foi aceita unanimemente: o comportamento de Strauss-Kahn foi tão absurdo, incompreensível, infantil e lastimável que todos os raciocínios sérios escorregam em enigmas. Além disso, o caráter delirante do episódio dá margem às suposições mais barrocas. Como nenhuma explicação lógica foi dada para aqueles minutos loucos no hotel, nos vemos tentados a aceitar elementos inteiramente irracionais.
Podemos imaginar que, durante alguns minutos, esse homem inteligente cedeu às forças "negras" do seu inconsciente. Ou que Strauss-Kahn, às vésperas de se tornar presidente, enlouquecido com essa perspectiva e para escapar do seu brilhante destino, usou esse estratagema miserável: estuprar uma camareira.
Para o Partido Socialista francês é o desastre. Strauss-Kahn era o astro da galáxia socialista. Graças a ele, o velho partido, fatigado e um pouco anulado, conseguiu reconquistar o poder perdido após a morte do ex-presidente François Mitterrand.
Para Sarkozy, trata-se de "uma divina surpresa". Ele vê cair diante de seus olhos o seu mais perigoso adversário, aquele que lhe roubaria o cetro. Para testemunhar o júbilo do campo governista, em público, o Palácio do Eliseu deu ordens estritas: nada de alarde. Deve-se falar da "presunção de inocência". Essas ordens, no geral, foram respeitadas.
Todos os amigos do presidente parecem entristecidos ao abordar os dissabores de Strauss-Kahn. Contêm as lágrimas. Na realidade, estão muito contentes.
Talvez o mais grave seja a situação da UE e do euro. Strauss-Kahn deveria se reunir com líderes europeus esta semana para discutir um plano de socorro para a Grécia e tentar proteger o euro na tempestade que se acerca da moeda com o risco de liquidá-la.
Strauss-Kahn será substituído nessas reuniões, mas nos meios financeiros o que é se fala é que um espírito sutil e imaginativo como o dele, como também a enorme autoridade que adquiriu na chefia no FMI, não poderão ser substituídos assim "de improviso".
* Articulista de O Estado de São Paulo em Paris
**TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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