José Serra*
O Big Mac é o sanduíche mais popular do mundo. Há um quarto de século, ano após ano, a revista "The Economist" faz comparações de preços entre diferentes países. Na edição desta semana, a tabela foi atualizada com base nos dados de 25 de julho, em dólares correntes. O resultado mostra que o Brasil tem o Big Mac mais caro do planeta depois da Suíça e da Suécia. Nessa matéria, somos, folgadamente, os campeões dos países emergentes: mais do dobro do que se cobra no México, o triplo do preço na Índia e 2,7 vezes o da China. Estamos à frente, inclusive, dos centros desenvolvidos: nosso sanduíche tem uma majoração de mais de 50% sobre o que se paga nos Estados Unidos, no Japão e na Inglaterra.
Procurando construir um índice que dê uma ideia mais realista da sobrevalorização ou da subvalorização das moedas locais, a revista inglesa deflacionou os preços do Big Mac nos países pesquisados segundo seu respectivo PIB per capita, concluindo que a moeda brasileira, o real, é hoje a mais sobrevalorizada do mundo. O gráfico da revista mostra com clareza: o Brasil é o ponto mais fora da curva.
Não é o caso de discutir aqui as limitações de um sanduíche como "cesta" que permite comparar países e desvios nas taxas de câmbio de suas moedas - vale dizer, as diferenças entre as taxas de câmbio nominal e real de cada um deles. Note-se, em todo caso, que comparações academicamente mais elaboradas, que utilizam índices mais completos, apontam na mesma direção dos índices do Big Mac.
Entre nós, hoje em dia, essa realidade permitiu pelo menos o reconhecimento da existência do problema, habitualmente negado durante ciclos anteriores de sobrevalorização. Da mesma forma, tem perdido força o argumento de que a apreciação permanente do real aumentaria a competitividade da nossa economia, ao baratear os insumos e os bens de capital importados.
Começa a haver, de fato, certo consenso a respeito dos prejuízos da sobrevalorização cambial para a economia brasileira: enfraquecimento das exportações de produtos industrializados e diminuição da competitividade da produção doméstica em relação aos produtos importados - dos automóveis aos biquínis. Estamos ensanduichados entre os juros e o câmbio.
Não é por menos, aliás, que o déficit da indústria de transformação com o exterior foi de US$21,2 bilhões no primeiro semestre de 2011, 50% mais do que no mesmo período do ano passado. Na metade inicial de 2005, havíamos chegado a um superávit de US$14,6 bilhões.
É no setor de turismo que a questão cambial se projeta de forma mais escandalosa. O (mal) chamado "real forte" tem sido um ventilador de alta potência a espantar os turistas estrangeiros e a acelerar o turismo brasileiro no exterior. Em 2010, o déficit do país nessa área foi de US$10,5 bilhões. No primeiro semestre deste ano, esse déficit aumentou em cerca de dois terços em relação à metade inicial de 2010!
Não tenho maiores reparos às medidas do governo que visam a diminuir a oferta de dólares no Brasil a fim de conter a valorização do real, mas sou cético quanto ao tamanho dos seus efeitos práticos. É o caso das providências da semana passada, com vistas a constranger a exuberância do mercado futuro de câmbio. São medidas que provavelmente serão contornadas pelos agentes econômicos, diante do brutal incentivo existente para trazer moeda estrangeira.
Para o governo, o problema se resume à abundância de dólares no mercado financeiro internacional, que tem levado a uma apreciação da moeda norte-americana em todo o mundo, não apenas no Brasil. Por certo, esse é um argumento eficiente para jogar nas costas da fatalidade os tropeços cambiais do Brasil, mas não para explicar o fato de que a apreciação da moeda brasileira foi e tem sido mais intensa do que nos outros países. Lembrem-se do Big Mac, vejam estudos acadêmicos e perguntem a qualquer turista brasileiro acostumado a percorrer o mundo.
O que tem exacerbado o vigor da sobrevalorização cambial no Brasil é um fator, digamos, endógeno: nossa taxa de juros é a maior do mundo em termos reais. Ela é cinco ou seis vezes maior do que a taxa média dos países emergentes, sem mencionar as dos centros desenvolvidos, onde é zero ou negativa. Esse é um poderoso motor de sucção de dólares: faz-se dinheiro fácil no paraíso financeiro brasileiro.
Querem um exemplo? Entre janeiro e maio deste ano, as filiais de multinacionais brasileiras emprestaram para suas matrizes US$16,5 bilhões, mais do que em todo o ano passado e cinco vezes o montante registrado em igual período de 2010. Já as matrizes das multinacionais estrangeiras mandaram para suas filiais no Brasil dez vezes mais do que o fizeram no ano passado, no mesmo período janeiro-maio. A troco de quê, senão para faturar com os juros mais altos do mundo? E como as autoridades econômicas vão controlar e impedir esses fluxos intercompanhias?
É preciso reconhecer que o problema dos juros não vem de hoje - mas tem sido agravado pelo fato de que o governo passado e o atual concentraram neles a responsabilidade exclusiva de deter a aceleração da inflação, via arrocho cambial. Enquanto isso, não se ocuparam de aplicar uma política fiscal consistente, de cuidar com mais rigor da desindexação, de ampliar mais rapidamente a infraestrutura. Falou-se muito; fez-se pouco.
Pesa, ainda, de forma decisiva o profundo equívoco da política econômica do governo anterior, que aumentou os juros na véspera da crise mundial anunciada, em setembro de 2008, e demorou quatro meses para rebaixá-los um pouquinho, apesar da verdadeira deflação de preços da economia brasileira, e na total contramão do que se fez no mundo. Tivesse atuado corretamente, as questões hoje seriam mais fáceis. Mas não se conta a história do que não aconteceu. E sempre se considere o fato de que os juros estelares e o nó cambial compõem a herança maldita recebida pelo governo Dilma do... governo Lula-Dilma.
* José Serra foi prefeito e governador de São Paulo
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