Juliana Cunha*
Meu bairrismo ofendido me diz desde o começo da semana que eu preciso procurar Gilberto Dimenstein para dar uma rasteirinha nele e, sei lá, acertarmos nossas contas em uma luta de gel por conta daquela coluna dizendo que Salvador era uma mentira. O que me ajuda nessa questão é que o argumento dele para dizer essa maluquice é tão magrinho quanto o próprio Dimenstein, o que torna o golpe bem mais fácil para mim. Basta dar um pequeno – bem leve – empurrão em apenas um ponto para derrubar o texto inteiro: quem, afinal, mentiu para Dimenstein? Até onde me consta, o Brasil herdou de Portugal uma característica que eu particularmente gosto muito que é o hábito de sempre falar mal de si, se menosprezar, falar de todos os seus problemas para quem é de fora. Portugal tem esse “issue” consigo mesmo por conta de ter sido grande e hoje ser pequeno, por ter perdido Dom Sebastião etc. Quando chegaram aqui, os portugueses nos ensinaram a ser como eles e quem aprendeu melhor foram os baianos, é claro. Desde que me entendo por gente, meu pai fala mal da Bahia. Fala que a gente é muito esculhambado, que nada nunca dá certo por lá. Temos momentos de ufanismo, é claro, mas é difícil conversar com um baiano por mais de meia hora sem ouvi-lo falar mal da Bahia. Nunca me aconteceu. Nossos artistas – todos aqueles que Dimenstein cita em seu texto – são especialistas em passar a real sobre a Bahia. Não consigo lembrar de ter visto luxo e riqueza em nenhum dos filmes de Glauber Rocha, em nenhum dos livros de João Ubaldo. Não é no dinheiro, na orla bem conservada ou em qualquer material objetivo que consiste a beleza de Salvador. É um lugar mágico, sério. Não consigo conceber que alguém tenha lido Jorge Amado sem notar que ele deixa bem claro que nessa cidade quase todo mundo é pobre, que a cidade é pobre e que é tudo meio decadente. Pedro Bala é o dono da cidade, lembra? Há uns cinco anos, a neta de Jorge Amado decidiu filmar “Capitães da Areia” e deu uma entrevista para o “A Tarde” dizendo que a cidade estava tão decadente quanto na época do livro, o que era ruim para a cidade, mas bom para o filme. Não consigo lembrar de uma só música de Caetano que fale sobre Salvador sem inserir algum tipo de crítica. Mesmo as letras que têm um inegável amor pela Bahia falam mal da Bahia. “Sua suja Salvador”, “a porcaria da cidade”, “a mim me bastava que o prefeito desse um jeito na Cidade da Bahia”. Eu não sei que tipo de música baiana Dimenstein andou ouvindo para não ter reparado nesses trechos. Ou sei. Talvez ele tenha passado tempo demais ouvindo “We Are *the World of Carnaval”, jingle publicitário disfarçado de música que Nizan Guanaes – cérebro baiano em fuga, na visão de Dimenstein – escreveu na década de 1990 para dizer que a Bahia era o paraíso. Nizan Guanaes, no entanto, é exatamente o tipo de cérebro que eu gostaria de ver fora da Bahia. Azar o de São Paulo por ter recebido uma pessoa com um entendimento tão profundo do espaço público que criou o primeiro camarote vip para segregar quem ele considera importante do resto da população que frequenta o carnaval de Salvador. Texto meio confuso esse que começa dizendo “Salvador é uma mentira, nós fomos enganados” e termina elogiando publicitários e autores da mentira. Espero que São Paulo faça bom proveito desses cérebros, dessas agências e desses prêmios citados por Dimenstein porque eu, que sou só uma repórter, não me considero um cérebro em fuga, me considero mesmo é uma retirante (ou será que o conceito de retirante também é uma mentira?).
*Juliana Cunha é reporter em São Paulo
Juliana, sua danadinha
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