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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Há sacerdotes e sacerdotes


Maria Stella de Azevedo Santos
O povo brasileiro, por ter vivido séculos vinculado a uma religião dominante – o catolicismo, entendeu como sendo sacerdotes apenas os padres. Na verdade, é sacerdote todo aquele que ministra um culto divino e dá instruções religiosas, com o objetivo de servir de ponte entre o sagrado e o profano.
No Dicionário de Aurélio, também encontramos que sacerdote é um “feiticeiro que oficia nas sessões de catimbó”. Catimbó é uma palavra geralmente usada para designar as várias religiões que fazem uso de magia em seus rituais. Visando diminuir o preconceito, que nada mais é do que um conceito formado sem conhecimento de causa, eu tentarei esclarecer para os leitores o que é magia: são saberes, crenças e práticas reveladas, através das quais determinadas forças da natureza são manipuladas, visando diminuir a distância entre Deus, deuses, e homens. Quando os saberes e práticas reveladas se institucionalizam em um determinado grupo social, uma religião é constituída, como é o caso do candomblé.
Por ser uma religião surgida no Brasil através de um povo escravizado, não letrado, que não fazia parte nem da considerada mais baixa classe social, que não era visto nem mesmo como humano e sim como objeto de trabalho e lucro, o candomblé sofre ainda hoje preconceito, até por parte de seus iniciados.
Tanto que muitos “filhos-de-santo” se consideram e afirmam para a sociedade que eles são católicos. Isso acontece por medo de descriminação, por hábito herdado da família e da sociedade. Mas o pior é quando isso acontece por falta de reflexão. Se todo ser humano tem por obrigação refletir, isto é, pensar e repensar sobre sua vida, imagine alguém que se dispõe a ser um “filho-de-santo”, um iniciado do candomblé, enfim, um sacerdote.
Preconceito ainda maior se deve ao fato da referida religião trabalhar com magia e esta ser, como já falei, desconhecida nos seus fundamentos e propósitos, ou ainda ser mal utilizada por pessoas inescrupulosas, irresponsáveis e gananciosas, que iludem pessoas que querem ou precisam ser iludidas, transformando religião em comércio e acreditando que podem barganhar com o sagrado.
Muito da visão equivocada que nosso povo tem sobre os feiticeiros, deve-se exatamente aos próprios feiticeiros, principalmente àqueles do tempo da escravidão, que faziam uso de números de ilusionismo para mostrar que, assim como os brancos, eles tinham também força e poder. Ainda hoje vemos esse tipo de “feiticeiro”, que mesmo não precisando mais fazer uso desses recursos, deles se valem para alimentar a vaidade de seus egos e tirar lucro financeiro.
Os falsos feiticeiros em questão gostam sempre de dizer que feitiços maléficos foram feitos para aquela pessoa que o buscou e que por isto oferendas de custos elevados precisam ser feitas. Se me surpreendem esses falsos sacerdotes, surpreendem-me mais ainda as pessoas que acreditam neles. Na verdade, elas gostam de ouvir que estão enfeitiçadas. É uma forma de se autovalorizarem. Muitas das pessoas que buscam meu auxílio se esforçam para me convencer que estão sendo vítimas de feitiçaria e é um custo remover estes pensamentos delas. Para que os sacerdotes da religião dos orixás não caiam nessa armadilha, eles precisam retirar o véu da vaidade que encobrem seus olhos e que faz com que se percam no caminho que os conduziriam à verdadeira comunhão com o divino.
Feiticeiro é todo aquele que faz encantamentos e é por isto um ser encantado. A palavra ajé, que o povo de candomblé tanto teme, apenas significa mulher que encanta e seduz. Sem medo nenhum de usar a palavra, digo para todos os feiticeiros, principalmente para os que tenho obrigação de orientar, que façam bom uso da magia, utilizando-a para auxiliar àqueles que os procuram, no sentido de vencerem os obstáculos, sem prejudicar nem interferir no destino do outro. Concluo alertando aos sacerdotes do candomblé que assim como não fica bem para um juiz infringir a lei, que a ele foi dada a tarefa de fazer com que seja cumprida, também não fica bem para um sacerdote ter comportamentos incompatíveis com sua função.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Quinzenalmente, sempre às quartas-feiras,o jornal A TARDE publica seus artigos.  

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