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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ambiente mais conturbado abre nova frente na sucessão de 2014


Cristian Klein | De São Paulo

A política nem sempre se guia pelo impacto de fatores econômicos - há a força do carisma, da máquina governamental e da estabilidade dos laços partidários que reduzem a incerteza -, mas a subida da inflação neste ano está acrescentando uma dose de suspense aos preparativos da eleição de 2014, na qual o favoritismo da presidente Dilma Rousseff não seria mais pule de dez.
Economistas consultados pelo Valor apontam um cenário no qual surgem oportunidades para os concorrentes da presidente, que, por sua vez, dispõe de poderosos instrumentos para aumentar ainda mais sua popularidade - 79%, de acordo com a mais recente pesquisa CNI/Ibope, divulgada em março.
Com a escalada da inflação e o baixo crescimento do PIB, o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas, calcula que as probabilidades de sucesso dos adversários do PT subiram de virtualmente zero para um patamar em torno dos 20%. Em sua opinião, o "cenário básico" é de reeleição de Dilma Rousseff e os principais concorrentes - o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) - estão muito mais orientados em acumular forças e recall para 2018, quando a disputa será mais aberta, do que aprontar uma surpresa já em 2014.
Mesmo assim, os últimos desdobramentos da economia teriam gerado uma brecha para a criação de bandeiras alternativas ao PT - algo que não ocorria durante os anos Lula.
Num ambiente econômico mais conturbado, haveria espaço para essencialmente dois discursos da oposição.
O primeiro é a crítica ao Estado desenvolvimentista, indutor da economia, e que desde 2009 retomou o modelo vigente no país entre as décadas de 1930 e 1970. A inflexão desenvolvimentista, afirma Pessoa, começa depois dos liberalizantes anos 90 e do fim do que chama de período "Malocci" - quando a Fazenda foi ocupada pelos ministros Pedro Malan, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e o petista Antonio Palocci (2003-2006).
Desde a entrada de Guido Mantega no ministério, em 2006, mas especialmente depois de ter de enfrentar os efeitos da crise internacional, em 2009, o governo do PT voltou ao ideário desenvolvimentista. Foi reinaugurado por Lula e reafirmado por Dilma. Para o economista, uma das estratégias para a oposição é desconstruir esse modelo, sem confundi-lo com o Estado de bem-estar social.
"Este modelo está fazendo água e custa caro aos cofres. É preciso diferenciá-lo de conquistas sociais. Estado de bem-estar social é SUS [Sistema Único de Saúde], é escola boa, é aposentadoria básica. Isso é diferente de BNDES, por onde tudo passa, e de desonerações para este ou aquele segmento. Se este ensaio desenvolvimentista continuar a não gerar crescimento, o discurso é: 'Vamos manter o Estado de bem-estar social, mas vamos parar de brincar de grande potência. Não somos China, Japão, Coreia do Sul ou Taiwan'", afirma Pessoa, lembrando que esses países têm uma taxa de poupança em torno de 35% enquanto a brasileira é cerca de metade, 17%.
O segundo discurso alternativo é o da maior eficiência nos serviços públicos, que já vem sendo utilizado por Aécio Neves e Eduardo Campos. Ele remete à reforma do Estado, tema que teria sido abandonado desde a gestão de Luiz Carlos Bresser-Pereira à frente de ministério com o mesmo nome, durante o primeiro mandato de FHC (1995-1998). "Não precisa ser privatizante. É um discurso com o qual o PT tem dificuldade de lidar porque mexe com interesses de corporações - como a dos funcionários públicos - das quais é quase refém, por estarem eles em sua base de sustentação", afirma Samuel Pessoa, que foi assessor do ex-senador tucano do Ceará Tasso Jereissati, hoje presidente do Instituto Teotônio Vilela (ITV), a fundação do PSDB.
Pessoa concorda que qualquer discurso que proponha mudanças na extensão dos poderes do Estado pode ser acusado de atentar contra determinadas conquistas sociais aprovadas pela população e associadas ao PT. Mas que a pior saída é uma campanha recalcitrante, ou que traz o "não discurso", como ocorreu, em sua opinião, em 2010. "Deixaram tudo com o marqueteiro, que fez pesquisa qualitativa e propôs o que o eleitor queria ouvir. Mas, como isso é exatamente o que a situação vai fazer, não traz resultado", diz.
Samuel Pessoa destaca que o favoritismo para 2014 e o poder de agenda ainda estão nas mãos de Dilma Rousseff
Para o economista, o discurso de "vou fazer mais e melhor" - utilizado pelo ainda aliado do governo federal Eduardo Campos - é uma estratégia perdedora. Em primeiro lugar, porque se for para fazer mais, e manter o status quo, o eleitor "é conservador com razão" e vota na situação. Em segundo lugar, porque a escolha não deixa um legado, não se apropria de um discurso que possa vir a ser o vencedor na próxima eleição.
Samuel Pessoa delineia as possibilidades para a oposição, lembra dos riscos de deterioração da economia, mas destaca que o favoritismo e o poder de agenda ainda estão nas mãos de Dilma Rousseff. Ele afirma que a presidente atingiu o mais alto nível de popularidade para um ocupante do cargo desde a redemocratização e que a mandatária ainda tem "cartuchos" para gastar no campo da desoneração fiscal. A redução do preço dos medicamentos é a candidata mais forte da fila. "Isso tem um impacto popular grande e a PEC [proposta de emenda constitucional] está em tramitação", diz.
Por sua ligação com os tucanos, Samuel Pessoa tem sido apontado como um dos colaboradores do senador Aécio Neves, que teria contratado um economista com quem debate uma vez por semana para elaborar o discurso de 2014. Pessoa nega, mas insinua: "Até gostaria, se ele me convidar".
Próxima do presidenciável do PSB, a professora da Universidade Federal de Pernambuco Tânia Bacelar também afirma que não tem atuado na preparação da candidatura de Eduardo Campos. Mas a empresa de consultoria da qual é sócia, a Ceplan, faz trabalhos encomendados pelo governo do Estado, como o que analisou os impactos positivos e negativos da construção do Porto de Suape - uma realização do governo de Pernambuco com investimentos do governo federal.
Esse caráter ambíguo do perfil de Campos - um presidenciável que se criou na base e com o apoio do PT - é apontado por Bacelar como responsável pelo "discurso pouco claro" e, "por enquanto, muito genérico" do governador. "Fazer mais é o quê? Elevar o valor dos salários? Ou é mais educação? Ele cunhou esta frase que não tromba [com o governo], não diz que está tudo errado. Mas o que está errado na macroeconomia, na retomada dos investimentos?", questiona Tânia Bacelar.
A professora da pós-graduação de geografia da UFPE diz até que não vê como irreversível a candidatura de Campos - apesar da gradual subida de tom do presidenciável. Bacelar ressalta que a dinâmica da política não permite "o candidato de si mesmo". É necessário apoio do empresariado para o financiamento de campanha, base social e tempo suficiente de propaganda no rádio e na TV para passar a mensagem.
Diferenciar-se dos adversários é outro ponto fundamental, lembra. "O PSDB é conhecido do Brasil. Tiveram oito anos no governo. A população sabe o que foi. O Eduardo ninguém sabe. Ele também é um desenvolvimentista [como Dilma Rousseff]. Mas precisa se distinguir do PSDB", afirma.
Uma das tentativas do líder do PSB tem sido chamar a atenção para um modelo de gestão baseado em metas e resultados, na boa administração dos serviços públicos, "e não na politicagem". "O Eduardo gosta de governar, ele passa isso. Mas Pernambuco é 3% do PIB brasileiro. Não é tarefa simples, mais fácil a partir de outros Estados", diz Tânia Bacelar.
Desonerações são como "metralhadora giratória" para conter inflação e não levam em conta a solidez fiscal
A economista aponta a questão federativa como a seara onde Campos se sente mais à vontade para desferir seus primeiros ataques ao governo federal - como no caso dos royalties do petróleo e da medida provisória sobre os portos. O motivo, argumenta, é que, em primeiro lugar, há mesmo espaço de contestação, e em segundo, porque, como governador, Eduardo Campos tem legitimidade para falar desses assuntos.
Por outro lado, as principais oportunidades para a oposição ainda estariam numa piora do ambiente econômico. Tânia Bacellar relativiza a popularidade de Dilma Rousseff. "Isso é recall da era Lula. Tem muita ameaça no cenário econômico".
A professora da UFPE diz que este cenário é que abre espaço para o movimento político no qual surgem novas candidaturas de terceira via. Além de Campos, há a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva - que obteve quase 20% dos votos na eleição de 2010 e está formando um novo partido - e possibilidades de nomes próprios do PV, do PSC, do PV e do MD, resultado da recente fusão entre o PPS e o PMN.
Apesar dos problemas, Bacellar afirma que Dilma Rousseff não pode ser acusada de inércia, já que tomou várias iniciativas desde o início do mandato como a redução da taxa de juros, da tarifa de energia e a ênfase na retomada de investimento, "até ousando para um governo do PT", por meio das concessões na área de infraestrutura, num reconhecimento de que o setor público não tem capacidade de dar conta de tudo. "O problema é que a economia não dá resposta", diz.
A professora da PUC-Rio e sócia-diretora da Galanto Consultoria Monica de Bolle critica várias dessas medidas e prevê efeitos negativos. Ela divide a ação do governo em quatro instrumentos principais: regulação (como a MP das elétricas, dos portos e as concessões de ferrovias, rodovias e aeroportos), desoneração (linha branca, automóveis), compras governamentais e crédito público subsidiado (concedido sobretudo pelo BNDES, mas também por outras instituições estatais).
A economista afirma que esses instrumentos, em si, não são maléficos nem benéficos e que seus efeitos dependem da forma como são usados, da intensidade do uso e de suas intenções principais.
As desonerações seriam bem-vindas, por reduzir a carga tributárias, mas são como uma "metralhadora giratória" para conter as pressões inflacionárias e não levam em conta os efeitos sobre a solidez fiscal, aponta Monica de Bolle, que também é diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças (Iepe/CdG), o "think tank" tucano sediado no Rio.
A mudança de marcos regulatórios, como o de energia, também seria boa em princípio, mas intervém muito nos mercados e afasta os investidores.
As compras governamentais seriam um instrumento valioso se houvesse uma estratégia para o desenvolvimento do país e viraram uma forma de o governo promover os seus "campeões nacionais", sem maiores considerações sobre o quanto isso renderá ao país.
"Este é também o objetivo principal da 'Bolsa BNDES', do crédito público farto e barato que inevitavelmente levará, em algum momento, a perdas para os cofres públicos quando alguns desses empréstimos não apresentarem o retorno almejado", critica.
Para Monica de Bolle, a oposição deve buscar um discurso mais moderno do que a "velha ladainha de sempre" de ficar batendo apenas na tecla da estabilidade macroeconômica. "Não dá para fazer um discurso que não fale diretamente aos jovens e às mulheres", defende. A economista propõe como bandeira a melhora da qualidade dos serviços públicos, como educação e saúde. "Aí estão as brechas que o PT deixou, pois não acredita que as novas classes sociais almejem a excelência, acha que se contentam com a média, a mediocridade", diz.
Em sua opinião, a política de indexação do salário mínimo ao PIB precisará ser desmantelada. "O aumento dos salários acima da produtividade do trabalhador é a principal fonte de inflação no país e, mais cedo ou mais tarde, acabará corroendo exatamente o poder de compra das classes de renda que o governo mais quer preservar", afirma.

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