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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Sistema regulatório deveria ser mais previsível e seguro


Sergio Lamucci | De Washington

Leo Pinheiro/Valor / Leo Pinheiro/Valor
José Alexandre Scheinkman: "É necessário criar um sistema que dê para todo mundo o mesmo tratamento"
Num mundo que vai crescer pouco nos próximos anos, com perspectivas pouco animadoras na Europa e no Japão, e os Estados Unidos poupando mais, o Brasil precisa se concentrar nos investimentos em infraestrutura e educação, aplicar mais recursos em ciência e tecnologia e melhorar o ambiente de negócios, diz o economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. "As condições externas são importantes, mas muito do crescimento depende da dinâmica da própria economia. Se nós fizermos essas coisas, haverá um impacto positivo sobre a economia brasileira em todos os cenários".
Para Scheinkman, também é importante ter uma política fiscal mais clara e previsível. "O problema do crescimento não vai ser resolvido com relaxamento de gastos fiscais", afirma ele.
O economista brasileiro não vê motivos para criticar a política monetária nos países desenvolvidos, que atrairia, segundo autoridades brasileiras, fluxos de capitais indesejados para países como o Brasil. "Se eu estivesse num ministério no Brasil, ficaria preocupado se um país como os Estados Unidos ou os da zona do euro diminuíssem a liquidez. A política monetária pelo menos está mantendo esses países crescendo a um certo ritmo", diz Scheinkman, ressaltando que os Estados Unidos, nos próximos anos, não poderão ter os elevados déficits comerciais e em conta corrente que tiveram antes da crise. Isso implica que o país terá que exportar mais e poupar mais, o que terá impacto sobre o crescimento global.
Ele destaca a importância da inovação para o crescimento, apontando que o Brasil faz pouco nessa área, como mostra o número de registros de patentes bem menor que os da China, por exemplo. Scheinkman também critica a ideia de que medidas que favoreçam uma empresa ou um grupo de empresários vão melhorar o ambiente de negócios e impulsionar o investimento. "Para fazer isso, é necessário criar um sistema igual para todo mundo, que dê para todo mundo o mesmo tratamento".
A seguir, os principais trechos da entrevista com Scheinkman, que em outubro vai se transferir para a Universidade de Columbia, em Nova York, onde mora, depois de dar aulas por 14 anos em Princeton - universidade da qual será professor emérito - e 25 na Universidade de Chicago.
Valor: Quase cinco anos após a quebra do Lehman Brothers, a economia americana tem um crescimento ainda modesto, com desemprego elevado. Por que a recuperação não tem sido mais forte?
José Alexandre Scheinkman: Havia problemas estruturais na economia americana que foram disfarçados pela bolha. Se você olhar, por exemplo, os homens que não fizeram universidade, entre 2000 e 2007, eles perdem muitos empregos no setor manufatureiro, mas, ao mesmo tempo, houve criação de vagas na construção civil. Quando a crise ocorre, essas pessoas perdem o emprego na construção e não conseguem voltar para a manufatura. O país cresce agora mais devagar para refletir esse exagero do crescimento naquele período. A bolha criou muitos empregos na construção, e não apenas nos Estados Unidos. Na Espanha, há uma geração de pessoas que deixaram a escola mais cedo porque as oportunidades na construção civil eram tão boas que muita gente achava que não deveria perder tempo indo para a escola. Essa bolha de algum modo desviou pessoas de outras carreiras. Ela aumentou o crescimento aparente. Os Estados Unidos teriam crescido menos entre 2000 e 2007 se não tivesse ocorrido a bolha.
Valor: Paul Krugman acha que deveria haver uma política mais expansionista neste momento, e que isso ajuda a explicar o crescimento mais fraco hoje.
Scheinkman: Para ele, a política fiscal deveria ser muito mais expansionista e não importa no que se gaste. Basicamente, basta ter expansão. Para mim, o investimento em infraestrutura é uma coisa segura. Eu gosto da ideia de fazer mais política fiscal, mas principalmente ligada a infraestrutura, o que nem sempre ocorre. O resto é muito mais duvidoso. Acho que, empiricamente, o impacto positivo da política fiscal não está muito demonstrado. Isso não quer dizer que nós precisamos fazer uma política no outro extremo, de corte de gastos, como se você em alguns países da Europa. Também não há nenhuma evidência de que isso vá melhorar a situação.
Fed simplesmente não acredita que, com o nível de atividade que você tem agora, essa política vai produzir inflação.
Valor: Mas o sr. não está convencido de que a política fiscal um pouco mais contracionista nos últimos anos tenha sido responsável pelo crescimento um pouco mais fraco?
Scheinkman: Nos EUA ainda não houve uma política fiscal muito mais restritiva. Você pode até ver isso no futuro. A ideia do sequestro (os cortes automáticos de gastos de US$ 85,3 bilhões), porém, não me agrada. Se fosse para fazer um aperto fiscal, deveria ser feito de um modo muito mais pensado, não cortando despesas de todos os setores. Veja o caos aéreo que ocorreu na semana passada. Mas essa questão é muito mais clara na Europa, onde há uma política restritiva muito forte. Se você olhar para países como a Espanha, o aperto chega a ser contraproducente.
Valor: Como o sr. avalia a política monetária americana? Ela está na direção correta?
Scheinkman: A política que o Fed está seguindo, de maior transparência, vale a pena. Há bons motivos teóricos para acreditar que isso é uma boa ideia. O Fed disse que não vai mudar os juros a menos que a situação de desemprego melhore ou haja inflação mais alta. Não é que o Fed anunciou uma tolerância à inflação. O Fed simplesmente não acredita que, com o nível de atividade que você tem agora, essa política vai trazer inflação. E isso tem dado certo. Havia pessoas que anunciavam que haveria um problema de inflação nos EUA, mas isso não ocorreu.
Valor: Essa política de maior transparência vai ter o impacto positivo sobre as expectativas de empresários e consumidores?
Scheinkman: Acho que sim. Isso tem um papel positivo. Mas é necessário entender o seguinte. Se você olhar os consumidores americanos e tirar os 10% a 20% mais ricos, essas pessoas tinham que ajustar o balanço. Eles estavam gastando muito, não estavam poupando nada. Esse processo em que as pessoas vão gastar menos é necessário. A economia vai ter que se recuperar de vários modos. Um deles é exportando mais, porque o país não pode ter o déficit comercial e em conta corrente que teve no passado. Os Estados Unidos vão ter que exportar mais e poupar mais. Isso significa um crescimento menor, uma ajuda menor o resto do mundo. Uma questão é que a economia americana estaria crescendo mais se a Europa e o Japão estivessem crescendo mais, porque parte do crescimento dos Estados Unidos vai passar por uma melhora do déficit comercial e da conta corrente.
Valor: Na Europa, há uns seis anos, havia um temor de ruptura do euro. Esse risco parece ter sumido do cenário, mas houve há pouco tempo a questão do Chipre. Como o sr. analisa a situação da Europa?
Scheinkman: A situação na Europa é muito complicada. A união monetária sem uma contrapartida fiscal amarra muito o que se pode fazer em termos de política econômica em cada país. Na Europa, os sistemas fiscais são nacionais. Isso é um problema sério. Outro problema é que o seguro bancário também é local. O seguro bancário dos bancos na Espanha é o governo da Espanha, no Chipre, é o governo do Chipre. Isso torna o sistema bancário frágil. Eles têm falado muito em unificar o sistema bancário.
Valor: A Europa vai ficar muitos anos crescendo pouco?
Scheinkman: Enquanto a política econômica for a que está sendo feita agora, o crescimento deverá ser muito baixo por muito tempo. Eu não gosto de fazer previsões de crescimento, mas as condições da Europa são muito difíceis. Eu não vejo progresso. Haverá sempre problemas enquanto não se resolverem as questões mais importantes. Nenhuma solução é bonita, mas há soluções piores e melhores. Você pode sonhar que vai haver uma união fiscal e que os países do Sul com problemas fiscais sérios também vão fazer as reformas de longo prazo que precisam ser feitas. Na Alemanha, por exemplo, a idade de aposentadoria é maior do que na Grécia. Há muita coisa para reformar aí, não é apenas ter uma união fiscal. Se a união fiscal for apenas um pagar para o outro, isso não vai funcionar do ponto de vista político.
Valor: E o Japão? Como o sr. avalia a política econômica do país, que tem adotado uma política monetária agressiva? Vai dar resultado?
Scheinkman: É interessante que eles já tiveram o mesmo primeiro-ministro, e o mesmo pessoal no Banco Central, mas desta vez os investidores parecem estar acreditando nisso. Houve essa desvalorização do iene, que por si só não vai ser a solução, mas eu estive conversando com um colega japonês outro dia que está muito otimista. No passado, o banco central nunca perseguiu uma meta de inflação adequada. O problema do Japão é que o país teve muita deflação. A ideia de que eles precisam seguir uma meta de inflação mais alta que a inflação dos últimos anos é óbvia. Mas isso não é suficiente para o Japão. O país tem setores muito avançados, como as empresas de automóveis, mas combina isso com alguns setores muito regulados e pouco eficientes.
Não gosto de fazer previsões, mas as condições da Europa são muito difíceis. Eu não vejo progresso.
Valor: E como fica o Brasil, num mundo em que os países desenvolvidos crescem pouco, com os EUA avançando a um ritmo um pouco mais forte, e uma grande liquidez internacional, devido à política monetária das economias avançadas?
Scheinkman: Se eu estivesse num ministério no Brasil, eu ficaria preocupado se um país como os Estados Unidos ou os da zona do euro diminuíssem a liquidez. A política monetária pelo menos está mantendo esses países crescendo a um certo ritmo. Mesmo na Europa, e eu tenho algumas críticas ao modo como a política monetária está sendo implementada, a situação estaria muito pior. E o ritmo fraco de crescimento é ruim para o Brasil e para qualquer país do mundo. Eu disse que os EUA se beneficiariam de um crescimento maior na Europa e no Japão. Se o mundo tiver um crescimento baixo, o Brasil vai crescer menos do que se o mundo tivesse um crescimento alto. Mas o crescimento global está fora do nosso controle. O que nós precisamos fazer para ficar mais ricos num mundo de crescimento alto ou baixo é mais ou menos a mesma coisa.
Valor: O que o Brasil precisa fazer?
Scheinkman: O Brasil precisa ter um sistema regulatório melhor e menos incerto. Isso vai melhorar a economia brasileira. Investir em educação, em criação de tecnologia, em infraestrutura, essas coisas vão ajudar a economia brasileira, num mundo que cresça muito ou cresça pouco. Seria melhor se o mundo estivesse crescendo mais e que não fosse necessária essa política monetária nos países desenvolvidos que cria tanta liquidez, mas esse não é o problema nosso de primeira ordem. Também é importante ter uma política fiscal mais previsível e mais clara. As condições externas são importantes, mas muito do crescimento depende da dinâmica da própria economia. Se nós fizermos essas coisas, haverá um impacto positivo sobre a economia brasileira em todos os cenários.
Valor: Um argumento que as autoridades brasileiras usam é que seria melhor um mix melhor de política monetária e fiscal.
Scheinkman: Talvez isso seja verdade, mas você não vive num mundo assim. Uma coisa que as autoridades brasileiras precisam entender é que países como os Estados Unidos vão ter que poupar mais. O déficit em conta corrente e o déficit comercial do país não eram sustentáveis no longo prazo. De um modo ou outro, vai ficar mais difícil para o Brasil vender coisas nos Estados Unidos. E a política monetária está suavizando essa mudança. Sem ela, haveria uma retração aqui nos EUA e o efeito sobre o comércio global seria muito maior.
Valor: Os juros caíram bastante no Brasil, houve uma forte desvalorização do câmbio e desonerações tributárias para setores selecionados. Em 2012, o crescimento ficou em 0,9% e a inflação perto de 6%. A economia está retomando agora, mas a recuperação não é forte e a inflação está acima do teto da meta. O que explica essa combinação?
Scheinkman: Se você analisar a política fiscal de verdade, não apenas o que é contábil, nós passamos para uma política muito mais expansionista, o que tem em efeito inflacionário. E, embora eu achasse que os juros estavam altos ainda num período do governo Lula, isso não quer dizer que reduzir os juros como fez o Banco Central não teria nenhum impacto inflacionário, principalmente num momento em que a política fiscal ficou mais solta. E vamos analisar a questão do câmbio. É relativamente fácil pensar em políticas que influenciam o câmbio nominal, mas o câmbio real (que leva em conta a inflação) é outra coisa. O que determina se a indústria vai poder exportar ou não é o câmbio real. A inflação corrói parte da mudança do câmbio nominal.
Valor: Vários economistas têm apontado que o problema para o crescimento do Brasil está na oferta. O sr. concorda?
Scheinkman: Para o crescimento, eu tenho certeza absoluta disso. O problema do crescimento não vai ser resolvido com relaxamento de gastos fiscais, nada disso. A questão do crescimento vai ser resolvida quando nós resolvermos os problemas básicos do Brasil, como o de infraestrutura, de educação, área em que melhoramos, mas em que ainda há muito a fazer. Há também a questão da inovação. O número de patentes que o Brasil e a China criavam no começo deste século era mais ou menos o mesmo. Hoje, a China faz muito mais que os brasileiros. Você nota a subida da China na escada tecnológica. É um processo que demanda uma visão clara. Eu vou à China dar palestra, eu visito as universidades, em algumas áreas eles são melhores, em outras são piores, mas a questão é que eles olham para Harvard e Princeton, ou Stanford e o MIT (Massachusetts Institute of Technology). No Brasil, o sistema universitário é muito diferente.
Valor: Diferente é um eufemismo para fraco?
Scheinkman: No Brasil, não há os incentivos certos. Eu vou dar um exemplo do que existe na China e que existe nas universidades americanas. Há uma grande diferença de salários entre os professores mais produtivos e os menos produtivos cientificamente. No Brasil, há uma ideia de que é uma carreira, em que o tempo conta muito. Pode haver uma ou outra promoção por causa de títulos, mas fora isso as coisas ainda são muito iguais. A meritocracia é muito limitada no sistema universitário brasileiro. Isso tem impacto no tipo de esforço que as pessoas fazem.
Valor: O governo tem sido criticado por alguns analistas por um suposto intervencionismo na economia, como no caso da Petrobras ter restrições para aumentar preços. Em que medida isso atrapalha?
Scheinkman: Isso atrapalha o investimento. O Brasil tem algumas vitórias tecnológicas importantes, como a Embrapa. O que ocorreu com a agricultura brasileira é algo fenomenal. Nós falamos que a produtividade média no Brasil cresce muito pouco, o que é verdade, mas na agricultura o crescimento da produtividade é enorme. O Brasil era pioneiro num dos campos mais promissores no mundo que é o da energia alternativa, com o etanol. E então o governo começou uma política incompreensível de subsidiar a gasolina, de forçar a Petrobras a subsidiar a gasolina. O governo também subsidiou, ao reduzir a Cide dos combustíveis. Se você quisesse aumentar a poluição e ao mesmo tempo destruir uma tecnologia nacional, seguiria exatamente essa política. Mas eu não posso pensar que esse era o objetivo do governo. É incompreensível. Isso inibiu os investimentos no setor de etanol, um segmento com várias empresas em dificuldade.
Valor: Esse tipo de intervencionismo ajuda a explicar por que o investimento foi afetado em 2011 e 2012?
Scheinkman: É muito difícil explicar número a número assim, mas infelizmente você não está criando um ambiente favorável aos negócios como deveria. Houve um progresso enorme a partir do começo dos anos 1990 nas reformas microeconômicas e na melhoria do ambiente de negócios no Brasil, mas nos últimos anos houve uma deterioração. Você não melhora o ambiente de negócios dando um tratamento favorável para alguma indústria ou, como no caso brasileiro, para alguma empresa se tornar um campeão nacional. Para fazer isso, é necessário criar um sistema igual para todo mundo, que dê para todo mundo o mesmo tratamento.

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