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sexta-feira, 7 de março de 2014

Gaia - Alerta Final


José Eduardo Mendonça*
Independente, totalmente desvinculado de qualquer associação ou entidade científica, como sempre foi, James Lovelock, aos 94 anos, não tem nada a perder. Em seu último trabalho sobre Gaia – a maneira como concebeu a Terra, uma entidade viva que trabalha para manter as condições de sua superfície favoráveis à própria vida -, o cientista ergue em muitos decibéis o tom do alerta sobre o estado do planeta, cujo sistema de auto-regulação estaria sendo derrotado pelos gases de efeito estufa. Em questão de anos, ou décadas, o esquentamento da Terra poderá provocar o colapso de nossa civilização global e a quase extinção da humanidade. 
Sim, é para levar a sério. Tido por muitos como um excêntrico solitário, habitante de um velho moinho reconstruído no interior da Inglaterra, cercado de livros e bugigangas, Lovelock primeiro pensou em Gaia em meados dos anos 60, quando foi convidado para participar de um estudo da NASA sobre a probabilidade de vida em Marte e Vênus. As atmosferas dos planetas são compostas em 95% de sua totalidade de dióxido de carbono, e têm temperaturas que proibiriam qualquer espécie de vida como a conhecemos. No começo dos anos 70, ele e sua colega Lynn Margulis desenvolveram uma hipótese científica testável destinada a investigar as propriedades da vida na Terra. A idéia evoluiu e abriu caminho para uma teoria científica interdisciplinar aceita, embora por muitos com grandes reservas. 

A visão da Terra como uma coisa viva não é exatamente nova. Platão, de acordo com Francis Bacon, acreditava que ela era “uma criatura una, perfeita e viva”. A percepção científica desta visão, e do que ela acarretava, no entanto, só começaria a surgir cerca de dois mil anos depois. Robert Boyle, um dos fundadores da Royal Society, descreveu no século XVII a atmosfera como “exalações do globo terrestre”. Um século depois, Joseph Black demonstrou que as “exalações” eram uma mistura de gases, e o primeiro a ser isolado foi justamente o dióxido de carbono, então conhecido como “ar fixo”. Nos anos 1820, o matemático e físico francês Fourier começou a cogitar por que a temperatura da Terra era mantida em seu estado atual. O mecanismo preciso só foi descoberto por John Tyndall que, em 1859, percebeu que gases incolores, como o CO2 e o vapor de água, se comportam muito diferentemente de outros gases quando expostos ao calor de radiação – eles absorvem parte da energia e a irradiam de volta para a Terra. O sueco Svante Arrenhius notou, em 1904, que a concentração de CO2 na atmosfera aumentava por conta da queima de combustíveis fósseis, e que isto acabaria por afetar o clima do planeta. 

Foram necessárias décadas de conforto material para que a nova onda dos anos 60 e 70, com seus hippies e primeiros ambientalistas, trouxesse o assunto à tona – e ainda, assim, debaixo de muito ceticismo. Em 2001, cientistas de quatro programas internacionais de pesquisa do clima reafirmaram os fundamentos básicos da hipótese de Gaia: a Terra “se comporta como um sistema uno e auto-regulável”, as atividades humanas influenciam significativamente o ambiente, o sistema da Terra é de difícil previsão e pleno de surpresas, o sistema é caracterizado por limiares críticos de mudanças abruptas e, finalmente, já passamos muito da variabilidade natural exibida durante os últimos 500 mil anos. 

Mesmo com idéias amplamente aceitas e que influenciam muito do que se pensa hoje sobre o ambiente e o clima, Lovelock não parece estar muito satisfeito com nada do que vê à volta. Critica os verdes por “ingenuidade”, acha que políticas como as do banimento de sacolas de plástico em supermercados servem apenas para as pessoas se sentirem bem, argumenta que iniciativas como a energia eólica e os biocombustíveis servem apenas para dar lucros a novos negócios fortemente subsidiados, e defende ferrenhamente a energia nuclear como a forma menos danosa, mais barata e eficiente para tentar reverter num mínimo um quadro desastroso. 

Lovelock escreve com a elegância, a leveza e a erudição de conterrâneos próximos de sua geração, como Aldous Huxley e Bertrand Russel, e seu retrato de um inferno possível no planeta parece nos remeter aos sofridos panoramas de William Blake. Inspirado pela literatura de caráter fantasioso e profético de H.G. Wells, que povoou sua infância, este ano Lovelock deverá viajar para o espaço, a convite de Richard Branson – fundador do Grupo Virgin, que, entre outros negócios, investe em viagens espaciais - para ver, em seu todo, sua amada Gaia. E se o pior acontecer com a nave?, perguntou-lhe recentemente um jornalista inglês. “Que bela maneira de ir embora”, ele respondeu.
*Planeta Sustentável

GIULIANA MIRANDA

A energia nuclear não é a melhor opção para gerar eletricidade limpa no Brasil, afirma o cientista britânico James Lovelock, ambientalista que comprou a inimizade de ONGs após começar a defender as usinas atômicas. Apontando-as como solução para o corte de gases do efeito estufa, Lovelock muda de opinião quando se trata de falar sobre o caso do Brasil, que tem feito um "bom trabalho" com as hidrelétricas.
Aos 94 anos, Lovelock mantém sua fama como criador da hipótese de Gaia, segundo a qual a Terra seria um organismo vivo capaz de se autorregular.  Desde a criação da hipótese de Gaia, há mais de 40 anos, surgiram vários filmes e livros inspirados no conceito.
Um dos mais recentes é o sucesso de bilheteria "Avatar". Na produção, Pandora, o planeta dos gigantes azuis Na'vi, também é capaz de regular seu equilíbrio.  Na vida real, o cientista está muito próximo de chegar ao espaço. Contrariando a orientação de seu médico, ele se prepara agora para embarcar no primeiro voo da empresa de viagens espaciais Virgin Galactic. Em entrevista à Folha, Lovelock fala sobre as expectativas para sua aventura pessoal e para o futuro do planeta.
 
ENTREVISTA 

JAMES LOVELOCK

Em seus últimos livros, o senhor defende a energia nuclear como melhor alternativa para geração de energia limpa em países populosos. Isso se aplicaria ao Brasil?
JAMES LOVELOCK - As usinas nucleares são a melhor opção de energia limpa em países populosos e com restrições de espaço, como é o caso, por exemplo, do Reino Unido e do Japão. Para determinar a maneira mais eficiente e mais responsável de gerar energia em um país é preciso olhar as condições particulares de cada região. E eu creio que esta não seja a melhor opção para o Brasil. Vocês têm feito um bom trabalho com a geração de energia hidrelétrica.
FOLHA - Alguns analistas dizem que a oferta de urânio, principal combustível das usinas nucleares, está se esgotando. Como contornar este problema? LOVELOCK - O urânio certamente não está se esgotando. Além disso, é um produto extremamente barato. Com um quilo de urânio é possível produzir a mesma energia que uma tonelada de carvão. É claro que, comparado com o carvão, há muito menos urânio no mundo. Mas a quantidade que nós precisamos também é muito menor. Infelizmente, a maior parte dos reatores nucleares em uso hoje, incluindo os dos EUA, aproveita muito pouco da potência energética do urânio, menos de 10%. O resto é colocado em depósitos. A França, que tem um dos melhores índices, usa cerca de 30%. Acredito que é possível aproveitarmos muito mais. A tecnologia está caminhando para isso.
FOLHA - A conferência do clima em Copenhague terminou sem uma meta global de corte nas emissões de gases do efeito estufa, desapontando a expectativa mundial. O senhor acredita que esse tipo de encontro entre as nações seja a melhor maneira para obter consenso quanto à redução das emissões? 
LOVELOCK - Eu acho que não. Copenhague se transformou em um palanque político. E numa reunião de industriais querendo uma vitrine para as chamadas tecnologias verdes. Havia muito dinheiro e muitos interesses envolvidos. Na minha opinião, os políticos envolvidos não estavam tão interessados no clima, e sim em uma maneira de escapar da recessão econômica.
FOLHA - O senhor critica a produção de biocombustíveis, como o etanol, por ocuparem terras que serviriam para a produção de alimentos. Os biocombustíveis brasileiros seriam uma ameaça? 
LOVELOCK - Vocês estão indo bem a com produção de etanol no Brasil. A extração de combustível da cana-de-açúcar não tem um grande impacto ambiental, como a do etanol vindo do milho. E isso é uma contribuição para o mundo todo, não apenas para o Brasil. Mas o país ainda pode fazer melhor, encontrando formas de lidar com o material não usado [resíduos]. Os índios fazem isso há séculos, enterrando boa parte das sobras e, assim, diminuindo o carbono na atmosfera.
FOLHA - O planeta Pandora, do filme Avatar, é claramente inspirado na teoria de Gaia, comportando- se como um organismo vivo. O que o senhor achou da interpretação do conceito feita pelo filme? 
LOVELOCK - Eu não vi o filme, mas estou curioso para assisti-lo. Eu gosto da ideia. Se eles querem fazer uma adaptação, por que não? Boa sorte para eles. Desde que o conceito de Gaia surgiu, ele tem sido usado de todos os jeitos possíveis. Eu não posso impedir ninguém de fazer isso.
FOLHA - O senhor está prestes a viajar ao espaço. Por que decidiu se aventurar no que é, por enquanto, um projeto experimental de Richard Branson, dono da Virgin Galactic? 
LOVELOCK - O conceito de Gaia surgiu há mais de 40 anos, quando eu ainda trabalhava para a Nasa. Eu me lembro das imagens do espaço feitas pelos astronautas. Eram incríveis. Nós vivemos em um planeta realmente bonito. Quando me ofereceram essa oportunidade para ir conferir tudo isso por conta própria, simplesmente não consegui resistir. Foi um gesto incrível de Richard Branson. Estou muito agradecido e, principalmente, animado.

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