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quarta-feira, 22 de abril de 2015

Tiradentes: traidor, vilão ou heroi?


Leonardo Lisboa*
“O ensino de História do Brasil está associado, inegavelmente, à constituição da identidade nacional. Nacionalismo patriótico, cultos a heróis nacionais e festas cívicas são alguns dos valores que, na escola, se integram ao ensino da História do Brasil ou, ao menos, de uma certa História do Brasil. E contra essa história patriótica, existe uma série de críticas que buscam desmascarar seu caráter dogmático e muito distante de um conhecimento sobre o país e seu povo”.
                                                              (Bittencourt)

Vilão termo que em campo histórico e literário expressa conceitos diferentes.

No medievo conceituava os moradores das vilas (antigos pequenos proprietários romanos que se submeteram à nobreza e que tinham melhor estatus que os servos feudais) que se erguiam nos feudos como área marginalizada das fortificações dos senhores, os castelos. O vilão, então, foi perdendo sua expressão à medida que a história foi se processando até chegar os dias atuais, a plenitude do capitalismo.

Nos contos e novelas, na literatura, portanto, o vilão é aquele que se contrapõe ao herói. É a personificação do mal. Aquele que traça maldade, planeja crueldade e estabelece o desenvolvimento do enredo. É o que dá o tom da emoção. É a escuridão que existe para a luz se fazer brilhar: o herói.

O herói é aquele que sofre com resignação para no final vencer.

Enquanto o vilão, na literatura, tudo arquiteta para se ver reinar e no final se frustra com a derrota, o seu contraposto, sofrido e resignado, o herói vence.  Vence por ser bem encarnado, ou melhor, encenado. O final da trama se faz com o reino do herói, que se não sofresse, que se não fosse vitimado jamais teria expressão. Sua bondade se faz notar, porque sofreu o mal imposto do outro. O vilão, a base; o herói, o expoente, o paradigma para todos mirarem, reverenciarem e seguir.

Como seria então o anti-herói? Quem seria? Para que serve o seu papel na trama?

O anti-herói é aquele que participa do enredo, se entusiasma, é cheio de boa intenção. Entretanto, fica à mercê de quem julga as ações. Alinhava todas as cenas e acaba culpado por ser o menos digno e ao mesmo tempo o mais necessário por salvar a história. Seu êxito ou insucesso será o colorido que lhe derem conforme a luz dos que decide.

Pergunta-se: tomando o movimento ocorrido nas Minas Gerais dos mil e setecentos como trama real imbuída dos ideais ‘volterístas’, ‘montequeistas’ e ‘rousseistas’ como podemos julgar seu enredo (conjuração ou inconfidência) e seus dois Joaquins (Vilão e Heróis? Ou Vilão e Anti-herói?).

Primeiramente vamos ao caráter do enredo? Conjuração Mineira ou Inconfidência Mineira?

Inconfidência seria traição, assim é na visão do governo português que enxergou no movimento um crime de lesa-majestade. É um olhar da Metrópole sobre o que ocorre na Colônia.

Conjuração, um termo para designar o ângulo de vista daqueles que fazia do movimento um caminho para se libertarem da Metrópole de além-mar e de saírem da situação marginalizada de Colônia para a de Estado Nacional independente, como os Estados Unidos da América exemplificava. Desta forma, que os súditos das Minas fizeram foi um juramento conjunto – Conjuração – de buscar um meio para tal. Sobre isto vejamos a transcrição abaixo.

 “... equívoco arraigado entre professores e autores de livros de História é a difundida denominação de Inconfidência Mineira. Consideramos absurda, equivocada e acrítica tal denominação que reproduz a visão do colonizador português.
E o curioso é que em uma quantidade infinita dos documentos constantes dos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira as autoridades coloniais empregam a palavra conjuração. E para os dominadores portugueses seria válido vilipendiar os implicados no movimento rebelde denominando-os infiéis, traidores, inconfidentes!
Afinal de contas não pretendiam por fim à dominação portuguesa? Não houve até quem sonhasse com a República? Não se aventou inclusive a idéia de cortar a cabeça do Visconde de Barbacena, então governador das Minas Gerais? Não se idealizou a construção de fábricas, o que contrariava recente alvará da rainha D. Maria I, proibindo indústrias no Brasil? Não houve contatos com representantes diplomáticos dos Estados Unidos, buscando apoio ao projeto de independência?
Por que, então, nós, brasileiros, temos que continuarmos a denominar inconfidência – sinônimo de traição, deslealdade e infidelidade – o movimento idealizado em Minas Gerais, em 1789?
Durante décadas, os historiadores reproduziram em suas obras o termo Inconfidência Mineira, desprezando o emprego da expressão Conjuração Mineira.
E por que a denominação Conjuração Mineira é mais adequada do que a usualmente utilizada Inconfidência Mineira?
O que ocorreu em Minas gerais não foi um ato de infidelidade dos colonos para com Portugal ou seu soberano, mas sim um projeto de libertação para o Brasil, que contou com a participação de um grupo de pessoas dispostas a pôr fim ao domínio colonial que Portugal exercia sobre o país. Não foi um grupo de infiéis levado a julgamento, mas sim um grupo de patriotas, o primeiro a se levantar de forma organizada, objetivando a independência do Brasil. Traidores, ou inconfidentes, esses homens o foram segundo a ótica das autoridades coloniais. Como brasileiros, não podemos continuar a explicar a História do Brasil de acordo com a perspectiva dos europeus.
É necessário deixar de considerar a Conjuração Mineira como realizada por homens que cometeram um crime de lesa-majestade, admissível aos partidários do colonialismo português.
Em função do exposto anteriormente, fica claro que a questão da denominação do movimento não é apenas semântica ou ortográfica, mas sim histórica. Considerar Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa, padre Rolim, padre Toledo, Toledo Piza e todos os demais envolvidos como traidores certamente não é a verdade histórica contida no movimento. Esses sonhadores de Minas Gerais realmente participaram de uma conspiração, de uma conjuração, de uma tentativa de insurreição contra o domínio colonial português.
Saber de suas idéias, de seus atos, de suas determinações, de suas prisões e penas não é algo que se encerra no passado, mas que está presente ainda hoje em várias lutas, em várias frentes, em vários movimentos nos quais a tônica ainda é a mesma que motivou os habitantes de Minas Gerais em 1789: LIBERDADE”.
                                                            (Aquino e outros)


Sobre os Joaquins, perguntamos:
Joaquim José da silva Xavier, herói pela graça dos futuros republicanos positivistas brasileiros ou apenas um anti-herói de um movimento histórico ‘iluminado’ para a república se justificar no Século XX?

Joaquim Silvério dos Reis, um oportunista que viu uma maneira de se livrar de suas dívidas junto ao governo de sua nacionalidade portuguesa e preferiu acordar do sonho dos visionários conjurados nas Minas Gerais setecentista ou um vilão que os positivistas republicanos aproveitaram para fazê-lo de Judas?

 Voltemo-nos aos vocábulos Herói e Vilão e suas significações.

O herói, no contexto histórico, nasce com o positivismo de Augusto Comte que filosofava que toda sociedade precisa de seus modelos. Aqueles que conduziram os fatos, já que segundo esta corrente a história é a sucessão de fatos e não um processo.

Baseado no ‘Valor da Personalidade’, o Positivismo ressalta a figura destes homens. Os fatos históricos são dirigidos e acontecem, então, pela ação do herói, do que sofre o fato, conduz o processo e exemplifica a virtude. Augusto Comte busca isto no catolicismo.

"Embora Augusto Comte, contrário à teologia e a metafísica, que considerava meras construções ilusórias, pregasse que o catolicismo era anti-social e que seria irrevogavelmente eliminado pelo positivismo, ele não esconde suas propensões simpáticas por esta religião, pois se lhe apresenta como obra-prima da hierarquia e da compreensão das necessidades espirituais do homem. Assim, tomou-a como modelo, mas lhe negou o direito de pretender conduzir a humanidade... É assim que vemos no positivismo, como no catolicismo, a veneração de “santos padroeiros”, isto é, os sábios do passado, os grandes religiosos, os heróis ilustres, cuja recordação e exemplo são sempre exaltados; a veneração de almas que são particularmente próximas... Que Comte chama de anjos da guarda."  (JÚNIOR, João Ribeiro)

E é assim, talvez, que o vilão medieval e histórico também ganha na literatura o papel marginal, o mal encenado.

No feudalismo, o habitante da vila, exercia função desprestigiada – ele trabalhava, produzia o ordinário do dia-a-dia; a nobreza e o clero, o extraordinário: protegia a todos, o notável, e por todos oravam, o sublime. O clero representava o divino na Terra; o nobre, a ação heróica de se dar em proteção da ordem na Terra: o sistema feudal e a sociedade estamental. Isto, na literatura redundaria em o herói (notável e sublime) a personificação do bem e o vilão (ordinário), o mal, o mal necessário.

Joaquim José da silva Xavier e Joaquim Silvério dos Reis:  deixamos para o leitor julga-los - Herói ou anti-herói e Vilão?! Sentenciados já foram na ordem do tempo em que viveram.

Embora tenha havido outros denunciantes, Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes (1756-1819) é visto como o principal. O republicanismo positivista o escolheu para cumprir o papel na cena do teatro de “malhar o Judas”.

Ele era um reinol, ou seja, nascido em Portugal. Era devedor da Fazenda Real, porém, amigo e protegido de autoridades. Na clara animosidade entre americanos e europeus, brasileiros em formação e portugueses representantes da opressão, este português, Silvério dos Reis, se colocou a favor de seu povo, os portugueses. Claro, os motivos são óbvios.  Até em razão de seu povo, os portugueses ou em razão de ser uma figura da qual, segundo alguns, as Cartas Chilenas de Tomás Antônio Gonzaga ridicularizavam mostrando que havia um ‘Nós’, da América que é explorada, e uns ‘Outros’, que representava o opressor Portugal. Ele, Joaquim Silvério dos Reis, fazia parte deste segundo rol (‘Eles’, os ‘Outros’). E foi assim que no dia 15 de março de 1789 ele procurou o governador da capitania e delatou a trama dos que liam Rousseau, Voltaire e Montesquieu e discutiam a independência dos Estados Unidos da América.

Não era solista, sua voz teve coro. No mesmo dia 15, o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago também denunciava a Conjuração. Este era inimigo feroz dos brasileiros e detestava estar nestas terras de além-mar. Outro foi o mestre Inácio Corrêa Pamplona, que delatou o movimento no dia 20.

Alguns conjurados, humanos que eram, tentando melhorar a sua situação, também denunciaram os companheiros. Por exemplo,  tivemos a denuncia do tenente-coronel Francisco Antônio Ferreira de Oliveira Lopes, tenente-coronel Domingos de Abreu Vieira, Coronel José Aires Gomes, Dr. Domingos Vidal Barbosa e dos pai e filho Rezende Costa.

Mas fora Joaquim Silvério dos Reis o escolhido para receber toda a negra fama de Judas do movimento, quer tenha sido por ser o primeiro a fazer a denúncia ou por não gozar das simpatias de muitos de seus contemporâneos, nem do Visconde de Barbacena e muito menos do povo mineiro. Seria este que os positivistas, que instalaram a República em 1898, escolheram para ser o mau exemplo de português contra o militar, branco e brasileiro Joaquim José da Silva Xavier, o herói que se ofereceu para ser imolado em troca do perdão para os outros conjurados, o cristo do movimento. Não é à toa que durante décadas iniciais da República Brasileira a figura de Tiradentes foi estampada semelhantemente à iconoclastia de Jesus Cristo. E foi com a imagem de o mais simples e o cordeiro do movimento que ele seria pintado para as gerações da República Velha.

Se houve a intenção de pintar Joaquim José da silva Xavier à semelhança de Jesus (barba, cabeleira e no lugar da cruz a corda no pescoço), houve também a ideologia de representar Joaquim Silvério dos Reis na plenitude de seu mau caráter. Para isto os meios foram vários. Além dos textos didáticos e imagens em livros escolares, a literatura também contribuiu. A exemplo de uma obra deste gênero sita-se de Viriato Corrêa a de título “História da Liberdade no Brasil”.

Nesta produção literária deste autor que nasceu, se educou, se formou no afã do republicanismo positivista brasileiro, uma vez que nasceu em 1884 e faleceu em 1967, os dois Joaquins da Conjuração Mineira são representados e mostrados aos adolescentes (público alvo da obra em questão) como figuras dialéticas e representações maniqueístas do Bem e do Mal encarnado. Tal autor finaliza seu livro com o capítulo de título e subtítulo como se a forma de governo ideal fosse a que ele viu nascer e desenvolver no Brasil de seu contexto histórico, ou seja, ele o nomeia pomposamente de “A República – A Vocação dos Povos Americanos”.Porém, o intuito deste artigo não é condenar e nem julgar o literato e a melhor forma ou sistema de governo. Então, retornemo-nos à especulação inicial:

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, herói, anti-herói ou apenas sujeito histórico como todo ser humano?

Joaquim Silvério dos Reis, vilão, traidor ou somente outro alguém que participou de nossa história em construção?

Analisemos, leitor, buscando a História sabendo que, como já foi dito, ela é uma ciência filha de seu tempo. A História não é dogma e nem verdade absoluta. Ela não se faz por fatos isolados, ela é um processo. Muitas vezes é utilizada para justificar ou desarticular movimentos por pessoas inescrupulosas. Porém, temos que ter sempre em mente que a História se faz por cada um de seus sujeitos, por cada um de posse de sua cidadania, por cada homem e mulher e não por semi-deuses ou escolhidos pelo Senhor Destino e que de ser neutro os historiadores nada tem (também são homens cheios de sentimentos, emoções, tendências, influências e, como a sua ciência, filhos de seu tempo).

A História é ação, ou melhor, a História é participação de todos. É a ciência da democratização.

E então, retomamos à especulação insistindo :

Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes,
Herói, anti-herói ou apenas sujeito histórico como todo ser humano?

Joaquim Silvério dos Reis,
vilão, traidor ou apenas também outro sujeito histórico?
Analise!

BIBLIOGRAFIA:
1. AQUINO, R.S.L e outro – Um sonho de Liberdade – A Conjuração de Minas. Col.   Polemica – Ed. Moderna – 1ª ed. 1998.
2. JUNIOR, J.R. O que é positivismo – Col. Primeiros Passos – Ed. Brasiliense.
3. LINHARES (Org) – História Geral do Brasil – Ed. Campos – 9 ed. R.J. 1990.
4. KARNAL, L. (Org) – História na Sala de Aula – Contexto. S.P. 2003.
5. PINSKY, J. (Org) – O Ensino de História e a Criação do Fato – contexto. S.P. 2000.
6. TÔRRES, J.C. de O – História de Minas Gerais – 3 vol: Difusão Pan-americana do Livro – B.H. 1963.
                                                        LLisbôa, Bcena,

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