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domingo, 9 de agosto de 2015

O efeito chimarrão


Monica de Bolle*
Clima ameno, paisagens belíssimas, um "quê" de Europa no Brasil tropical. O Sul Maravilha, o Rio Grande do Sul, um dos Estados mais prósperos do país com seu amplo parque industrial e pujante atividade agrícola. Terra promissora ou não?

Nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul tem sido a vedete dos jornais devido à crise gravíssima que assola o Estado. Parcelamento de salários de funcionários públicos, greves de professores, protestos, paralisação de policiais. Em meio a tudo isso, o governador José Ivo Sartori pede à população: "Tenham paciência". Paciência?

O estado das contas públicas do Rio Grande do Sul é prenúncio para lá de ominoso sobre o que pode ocorrer com o Brasil em alguns anos se os problemas fiscais estruturais que enfrentamos não forem abordados.

A política gaúcha revela a extensão dos problemas que há muito se arrastam: desde 1991, jamais se viu a reeleição de um governador no cartão-postal do Sul Maravilha. Afora o PDT, entre 1991 e 1995, e o PSDB, entre 2007 e 2011, o Estado alterna dirigentes do PMDB e do PT a cada quatro anos.

Nenhum foi capaz de desatar os nós fiscais que agora ameaçam se transformar em dor de cabeça grega (ou porto-riquenha, para os que têm acompanhado a moratória de Porto Rico) para o governo federal. "Não vai ser um governo só que vai equilibrar as finanças do Estado", disse Sartori recentemente. O passado justifica suas palavras.

Dois fatores explicam o enorme e crescente desequilíbrio das contas públicas do Rio Grande do Sul nos últimos anos: a quantidade de funcionários públicos e a demografia. As dificuldades de enxugar o quadro de servidores públicos ao longo das últimas duas décadas, ao lado dos gravíssimos problemas que afetam a indústria, responsável por 43% do PIB do Estado, levaram à decisão inusitada de parcelar salários, anunciada na semana passada.

Já não há dinheiro nos cofres públicos para pagar integralmente rendimentos acima de R$ 2.150, a arrecadação caiu brutalmente, a dívida crescente com a União é torniquete que aperta sem trégua. Todo mês, o Estado desembolsa cerca de R$ 280 milhões em compromissos com a União e mais R$ 1,1 bilhão para a folha do funcionalismo — em julho, faltaram R$ 360 milhões para honrar os pagamentos de salários.

Com a economia em recessão e a indústria em franco encolhimento, o Rio Grande do Sul é emblemático do que pode acontecer com outros Estados brasileiros.

Enquanto isso, o drama da demografia se amplia. Segundo dados do IBGE, o Rio Grande do Sul é a região em que mais cresce a população acima de 60 anos, pressionando os gastos previdenciários e o sistema de saúde. Tal situação não é novidade: desde 1991, a participação dos gaúchos com mais de 60 anos na composição demográfica do Estado aumenta acima da média brasileira, fruto dos bons indicadores socioeconômicos que fizeram da região o Sul Maravilha.

O estado das contas públicas do Rio Grande do Sul é um alerta e tanto para o país. Se o Brasil não conseguir desatar as amarras da crise política, se o governo não for capaz de eliminar os problemas estruturais que tantos obstáculos criam para um ajuste fiscal que melhore as perspectivas de médio prazo do país, viveremos o efeito chimarrão. O Brasil será o Rio Grande do Sul, amanhã.
*  Economista , PHD pela London Scholl of Economics

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