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sexta-feira, 7 de julho de 2023

Zé Celso, a dramaturgia na vanguarda


Agência Globo*

Ignacio Loyola  Brandão avisa que está arrasado. É um dia triste, tristíssimo, lamenta o escritor. Autor de obras literárias premiadas — como "Não verás país nenhum", "Cadeiras proibidas" e "Zero" —, ele cultivava uma amizade de mais de oito décadas com o diretor teatral Zé Celso, que morreu nesta quinta-feira (6), aos 86 anos, em decorrência de um incêndio em seu apartamento, em São Paulo. Os dois eram inseparáveis. Melhores amigos. Confidentes. Filhos de "mulheres católicas piedosas", como brinca o escritor ("Olha só no que deu, né?", ele acrescenta, irônico), Zé Celso e Ignácio se conheceram na infância, em Araraquara, cidade onde foram criados, em São Paulo. Nascidos no mesmo ano, foram colegas de escola, em duas instituições diferentes. Nessa época, o diretor teatral já dava sinais do comportamento transgressor que, mais tarde, o consagraria nos palcos, como recorda o escritor. Todo fim de semana, na escola onde estudávamos, havia a entrega de um prêmio que se chamava "Medalha de Bom Comportamento". Com uns 9 anos, Zé Celso me disse assim, certa vez: "Se você ganhar essa medalha, nunca mais falo com você". Ele não admitia a ideia de "bom comportamento". Já era transgressor, ao seu jeito — relembra Loyola de Brandão, aos 86 anos, em entrevista ao Globo. — Mas eu tinha um problema, porque era bolsista no colégio (risos). Então, não podia ter mau comportamento. Acontece que, um dia, ganhei essa medalha. Zé Celso entendeu. E determinou uma coisa: teríamos que, a partir dali, chegar ao fim da vida sem brigar. E conseguimos isso. 


Quando se mudaram para São Paulo, na juventude, foram morar juntos — no mesmíssimo quarto —, numa pensão na Alameda Santos, próxima à Avenida Paulista. Pouco depois, Ignacio ingressou para a redação do jornal "Última Hora", enquanto Zé Celso se matriculou no curso de Direito da Universidade de São Paulo, a USP. 

Com colegas de faculdade, o diretor teatral fundou o grupo Teatro Oficina. E um cenário novo — colorido, tropicalista — se ergueu a partir daí. 
Nossa amizade continuou, sem parar. Acompanhei todas os espetáculos do Oficina, o tempo inteiro. E se eu deixasse de ir a alguma peça, o Zé também deixava de ir a algum lançamento de qualquer livro meu, em represália (risos) — rememora Loyola de Brandão.


 — Comíamos sempre no mesmo local, frequentávamos o restaurante Gigetto... A gente estava sempre junto. E ele era meu primeiro leitor, sempre. Fazia questão disso. O escritor faz um apelo para que as autoridades públicas inscrevam algum tipo de homenagem no imóvel onde Zé Celso nasceu e passou a infância e a adolescência, em Araraquara. A casa continua lá, de pé. "Para alguém que foi uma personalidade tão grande como Nelson Rodrigues e Ziembinski", como frisa Loyola de Brandão, parte dessa memória necessita ser preservada. 


Quem é o herdeiro de Zé Celso? Essa é a grande pergunta agora. Difícil dizer. Nunca houve alguém parecido. Ele foi um cara de fogo, o tempo inteiro. Era ardente. E morreu queimado. É muito estranha essa história. Trágico. Muito triste — emociona-se o escritor, voltando-se novamente para as lembranças de infância. — A gente era criança, e o Zé fazia um teatrinho na casa dele, com marionetes, numa caixa de papelão, no meio do quintal. Saíamos da escola, e ele me levava para lá, para ver esse espetáculo. A plateia éramos eu, a mãe, a irmã e o pai. Zé Celso sempre teve a transgressão dentro dele. 

Acho que ele pertencia a uma família tão correta, tão quadrada, tão burguesa... Que deu nisso, não tem jeito! Era uma criança que vivia com aquela família exemplar, numa casa que ficava atrás da rua onde havia os bordéis da cidade. Imagina o fascínio que aquilo causava na gente. Zé Celso é fruto dessa mistura.

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