E a maria chuteira virou Geni...

Ceci Alves*

Homem que é homem tem que caçar. E se caça, é putão, coisa boa! Mulher que é mulher tem que ser honesta: cabeça baixa, pernas fechadas, sorriso doce, prendada para casar...

Coisas antigas de se dizer? Nem tanto. “Ah, mas ela era cachorra, Maria chuteira”!”“ Deve ter enchido o saco dele, mereceu!”“ Engravidou de caso pensado, tentou dar o golpe em outros...”. O caso de Bruno e da amante Eliza nos prova que as máximas acima estão à ordem do dia. Afinal: Maria chuteira é cachorra. Vagabunda, que vive rodando de mão em mão. Amada e desprezada como material de segunda. Quase uma boneca inflável, alívio para as tensões pós campo. Descartável, na vida e na morte. Maria chuteira é também um acinte para as mulheres. Mulher que é mulher sai de casa, trabalha ganha mais que seu macho, é poderosa. Ela é Essa Mulher, de Arnaldo Antunes. Ou aquelas do Sex and the City: a mulherzinha que até quer encontrar a cara metade, mas vai borboleteando pela vida. Maria chuteira, não; é a escória. É a Geni de Chico Buarque, apedrejada por homens e mulheres. A que merece morrer, julgada e condenada por ter subvertido a ordem das coisas. Ela é o híbrido incômodo entre essa mulher, que saiu de casa e ganhou o mundo, e aquela que quer ficar lá, aconchegada e sustentada pelo homem que lhe dê vida mansa. A cortesã globalizada, que usa seus atributos de mulher para tirar proveito de ser mulher.

Cachorra, vadia, Geni, vagabunda, piriguete... Mãe, filha, mulher. A história é velha conhecida da humanidade: uma mulher morre ou some por ter ousado viver a sua vida livremente. Júlia Fetal, Ângela Diniz, tantas outras... é o preço que se paga – não que se mereça. Não, Eliza não é uma Madalena arrependida, é fato. E não teve a mesma sorte de Maria Madalena, de encontrar um Salvador para lhe poupar dos apedrejos.

* Jornalista e subeditora do caderno Viva do Correio da Bahia