Rubens Ricupero*
Os
economistas não querem aceitar que existem limites insuperáveis para o aumento
da produção e do consumo. Ciência da escassez na origem, a economia herdou a
confiança do Iluminismo no progresso infinito do homem. Só que agora é a
própria ciência a declarar que os mercados não podem continuar a viver em
expansão contínua.
Para
economistas e empresários negacionistas do aquecimento global, o “Relatório
Stern” sobre o impacto da mudança climática na economia abria-se com frase
chocante: “O aquecimento global representa o maior exemplo de falência de
mercado em toda a história”. Infelizmente não é apenas no clima que o
produtivismo dos mercados nos aproxima da violação de outros limiares
biofísicos. Nove desses limites foram identificados e quantificados pelo
Stockholm Resilience Center, que revolucionou a abordagem tradicional da
questão, antes concentrada na mudança climática e na extinção de espécies.
A
relativa estabilidade de que desfrutou a Terra nos últimos 10 mil anos é hoje
ameaçada pela intensificação das atividades econômicas nos mais diversos
setores: atmosfera, oceanos, solos, água. Foi essa estabilidade que permitiu o
florescimento da agricultura e o desenvolvimento da civilização. Ultrapassar um
ou vários desses limites (eles são inter-relacionados) arriscaria desencadear
mudanças abruptas e irreversíveis das condições naturais.
Algumas
dessas mudanças já ocorreram: o desaparecimento da cobertura de gelo no verão
ártico, o derretimento de quase todas as geleiras do mundo, a elevação
irresistível do nível dos oceanos. Em três dos limites há indício de que talvez
se tenha transgredido o limiar da zona de segurança: em mudança climática, na
biodiversidade e na dosagem de nitrogênio na biosfera e nos oceanos (o fósforo
se aproxima desse patamar).
Um
quarto limiar, o da camada de ozônio, é até agora o único exemplo no qual a
ação corretiva adotada pelo Protocolo de Montreal conseguiu deter a
deterioração. Os outros cinco limites são uso da água doce, mudanças no uso do
solo, acidificação dos oceanos, quantidade de aerossóis na atmosfera e poluição
por metais, compostos orgânicos e radioisótopos causadores de perda de
fertilidade e desaparição de espécies. Exceto nos dois últimos, nos quais
prossegue o esforço para definir a fronteira de risco, os cientistas foram
capazes de indicar limites quantitativos precisos do ponto além do qual não se
deve ir.
Esse
tem de ser o foco da Rio+20: os limites biofísicos planetários que condicionam
o crescimento da produção e do consumo. Se os limites forem violados, não
haverá crescimento nem bem-estar social porque as consequências serão catastróficas
e irreversíveis.
Será
possível impor limites aos mercados? Em artigo memorável, o teólogo protestante
Harvey Cox lembrava a história do mestre zen que dizia, ao morrer, só ter
aprendido uma coisa: “Quanto era o bastante”. O problema, comentava Cox, é que
para o mercado “o bastante nunca basta”. Caberá, assim, não aos mercados, mas
aos governos estabelecer como se poderá assegurar crescimento e bem-estar
suficientes de modo a não colocar em risco os limites intransponíveis do
planeta.
*Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da
Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e
ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
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