Por Guilherme Soares Dias | Valor
SÃO PAULO -
Percorrer as linhas de metrô de São Paulo no horário de rush é acumular histórias de insatisfação e desconforto. Filas, aglomerações e tumultos nas entradas dos trens e de algumas estações integram a rotina de grande parte dos 4,6 milhões de passageiros que utilizam o sistema metroviário paulistano por dia.
É o caso do ajudante-geral Guilherme Tadeu, 20 anos: mora próximo ao metrô Guilhermina-Esperança, na zona leste da capital paulista, mas volta três estações até Corinthians-Itaquera, também na zone leste, para ir melhor acomodado no vagão.
“Na maioria das vezes não consigo sentar, mas consigo ir em um canto mais sossegado”, diz ele, que demora até duas horas para chegar no Bairro Liberdade, na região central, onde trabalha.
Projetadas na década de 70, as estações do metrô paulistano das linhas Azul (1), Verde (2) e Vermelha (3) não acompanharam o crescimento do número de passageiros e são palco de lotação e tumultos diários
Créditos: Silvia Costanti/Valor
Nem mesmo as novíssimas estações da Linha 4-Amarela, inauguradas em 2010, passam ilesas: a Faria Lima, na zona oeste, registra filas diárias de usuários que desejam acessar a estação no horário de pico, entre 17h e 20h; a estação Paulista, na região central, concentra uma das maiores aglomerações da rede na conexão com a Consolação (Linha 2).
A reportagem do site do Valor percorreu na semana passada as linhas Vermelha e Amarela entre as 7h e 9h, intervalo mais movimentado da manhã, ouviu usuários dessas linhas e detectou um desejo recorrente entre os passageiros: a criação de mais linhas de metrô para desafogar a rede. Confira alguns dos relatos dos passageiros.
O estresse é frequente nos relatos sobre o cotidiano dos usuários, como o do auxiliar de eletricista Magno Alves, 24 anos, que leva duas horas para ir de sua casa no bairro da Freguesia do Ó, na zona oeste da cidade, até o trabalho, que fica na Água Funda, zona sul da capital paulista.
Na segunda-feira passada, Magno cochilava no vagão metrô, tentando esquecer que ia chegar atrasado. “Perdi a hora hoje”, justificava.
O trajeto começa de ônibus, até a Barra Funda. De lá pega o metrô na Linha 3 Vermelha, que faz a ligação leste-oeste da capital paulista e é mais tranquila nesse horário por estar no contra fluxo da maioria das pessoas que lotam as linhas no sentido leste-centro/sul. Magno desce na Sé, principal ponto de conexão da rede metroviária, e passa por uma multidão para conseguir entrar na Linha 1-Azul, ligação norte-sul, seguindo até a estação Ana Rosa. Migra para a Linha 2-Verde, sentido sul, voltando a ficar no contra fluxo da maior parte dos usuários. Ao chegar na estação Sacomã, pega um ônibus e só então termina sua jornada até o trabalho.
Depois de oito horas de labuta, o auxiliar de eletricista faz o trajeto de volta usando somente o ônibus. “Tento fugir da lotação do metrô, mas fico mais tempo no ônibus e, dependendo do trânsito, levo umas três horas para chegar em casa”, conta.
Fugindo do pico
A revendedora Maria das Candeias, 50 anos, afirma que o túnel de ligação entre as Linhas Verde e Amarela do metrô é o pior ponto do trajeto diário entre sua casa no Butantã, na zona oeste, e o trabalho no Sacomã, na região sul. “São duas horas de casa para o trabalho. O ponto mais difícil é o túnel. Já vivi situações de empurrões e uma vez quase caí. Agora, tento evitar o horário de pico”, diz.
Já o porteiro Antônio Alves, 26 anos, mora no extremo da zona leste, no bairro Barro Branco, e diz que sempre trabalhou no centro. Nos últimos dois anos, ele está mais tranquilo por trabalhar durante a noite, das 19h às 7h, levar apenas 40 minutos no trajeto casa-trabalho e utilizar o metrô em horários mais vazios. “Mesmo vendo a minha mulher só nas folgas, eu prefiro”, afirma Alves, cuja esposa Tatiana trabalha como recepcionista durante o dia na mesma empresa que ele.
Sentado em um vagão vazio, Alves dorme e ouve música para passar o tempo. O cearense diz que nunca conseguiu trabalhar perto de casa. “Não existem trabalhos na zona leste e os que têm é para ganhar menos”, afirma, justificando porque sua jornada diária vale a pena.
Rápido e lotado
No Tatuapé, na zona leste, chama atenção a cena da moça que sai do metrô por alguns instantes para dar passagem a alguém que precisa descer e quase não consegue voltar a tempo. No vagão, os passageiros se espremem. Quem está sentado dorme, ouve música ou mexe no celular. Impressiona também a rapidez entre um trem e outro: a reportagem do site do Valor contabilizou 50 segundos entre a saída de um e a chegada do próximo.
A rapidez dos trens, no entanto, não é suficiente para convencer o arquiteto Marcelo Delaca, 27 anos, a usar o transporte coletivo diariamente. Ele intercala metrô e trem apenas uma vez por semana, nos dias de rodízio do seu carro: vai da Estação Belém, na zona leste, e chega à Vila Olímpia, na zona sul, em um trajeto que dura uma hora. “De carro demoro o dobro. Só não uso o metrô todos os dias porque é desconfortável”, afirma ele, que usa traje social e tem como desafio chegar alinhado ao trabalho.
Fila na catraca
O professor Hélio Nobre, 43 anos, descreve algumas situações por que passa no trajeto de 40 minutos entre a Freguesia do Ó, na região oeste, até o Tatuapé, na leste. “Há problemas frequentes com metrôs parados na linha e falta de circulação de ar”, diz, lembrando que sente na pele os problemas da superlotação da linha, mesmo trabalhando no contra fluxo.
Já a bancária Lenice Lopes, 45, demora uma hora e meia para ir da sua casa em Arthur Alvim, na zona leste, até o trabalho em Santa Cecília, na zona central. “Em alguns dias, pego fila de 20 minutos para passar a catraca do metrô. É uma situação absurda”, afirma, lembrando que as férias escolares já deixam a situação mais tranquila neste mês de julho.
Lenice diz que está acostumada à “muvuca” diária do metrô e que não trocaria o trabalho no centro por um próximo de casa. “Ganharia menos”, ressalta. Para ela, a situação seria melhor caso houvesse um corredor de ônibus na Avenida Celso Garcia e na Radial Leste, além de outra linha de metrô que atendesse a região leste. “Um só está pouco”, conclui.
‘Mais metrô’
Na plataforma da estação Corinthians-Itaquera, a última da zona leste, encontramos a auxiliar de limpeza Rosélia Cavalcanti, 33 anos. Moradora do Jardim Iguatemi, na zona leste, ela trabalha no Alto da Lapa, na zona oeste. São duas horas e meia de metrô e ônibus lotados diariamente.
“A gente vira paulistana mesmo sem querer”, diz a paraibana, que estava feliz por ter conseguido sentar naquela segunda-feira. “É raro isso ocorrer”, conta, após entrar no vagão entre empurrões e cotoveladas. Questionada sobre o que precisar ser feito para melhorar a lotação do metrô, Rosélia é enfática: “mais metrô”.
Procurado pela reportagem do Valor, o Metrô não quis comentar as queixas dos usuários relatadas nesta reportagem. Até 2019, o Metrô pretende investir R$ 38,8 bilhões em metrô e monotrilho, fazendo com que a rede passe de 74 para 174 quilômetros. Com o desejo de estender o metrô atendido, os 4,6 milhões de usuários de hoje terão que dividir a estrutura das estações atuais com mais 5,4 milhões de pessoas.
(Guilherme Soares Dias | Valor)
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