"A burguesia acorda tarde. Eu saí da cama faz tempo e estou morrendo de fome", diz José Dirceu ao abrir a porta de seu apartamento, em SP, às 9h de sexta-feira. Réu no processo do mensalão, ele saiu de circulação desde o início do julgamento e há meses recusa todos os pedidos da imprensa brasileira para uma entrevista. Na semana passada, recebeu a coluna para um café. À mesa, suco de laranja, abacaxi, café com leite, pão e frios. "Eu não estou deprimido. Eu não tenho razão para estar deprimido. Eu tenho objetivos, metas, sonhos. Eu acordo às seis da manhã todos os dias. Recebo o resumo das notícias que a equipe do meu blog envia. Eles já sabem o que me interessa. Estão comigo há cinco anos. Funcionamos por telepatia." "Eu gasto duas ou três horas lendo toda a imprensa brasileira, no iPad e no meu laptop. Depois, escrevo artigos para o blog."
"Estou preparado para qualquer resultado", diz Dirceu
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O político José Dirceu no lançamento do livro Rio Adentro, de Jorge Ferreira, em restaurante de SP, em julho e com os cabelos mais longos do que o habitual. Perdeu 6 kg. Mas afirma que i A coluna diz que é difícil acreditar que a vida siga tão normal. "Muita gente me visita. Não tem um dia em que não venham duas, três pessoas me ver, aqui ou na minha casa em Vinhedo." *
O escritor Fernando Morais, o produtor Luiz Carlos Barreto e o líder do MST, João Pedro Stédile, estão entre as visitas. O ex-presidente Lula liga um dia sim, um dia não, para saber como ele está. "Não me falta companhia." O julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) entra na reta final. A condenação de Dirceu parece certa. Até seus interlocutores próximos admitem a possibilidade. As penas máximas para os crimes de que é acusado chegam a 15 anos. A Folha revelou que ele já conversou com o ex-presidente Lula sobre a hipótese de ser preso. "Que nada, isso não aconteceu", diz. "Não é que não tem prova no processo contra mim. Eu fiz a contraprova. Eu sou inocente. Eu confio na Justiça." Ele diz saber que, mesmo absolvido, "isso não vai acabar. Em sete anos [desde que estourou o escândalo], eu não tive a presunção da inocência. Por que vou ter a ilusão de que isso vai ocorrer, mesmo que eu seja considerado inocente pelo Supremo?" A coluna pergunta de novo se, ainda que insista em dizer que confia na Justiça, ele nunca pensa na hipótese de ser condenado e preso. "Isso daí [resultado do julgamento] vai demorar dois meses para acontecer. Vou ser julgado por corrupção ativa no fim do mês ou no começo de outubro. Em mais quatro semanas, serei julgado por quadrilha. Por que vou sofrer por antecipação? Na hora em que acontecer, vou ver o que fazer." "A expectativa que eu tenho? Eu fui cassado pela Câmara dos Deputados [em 2005] sem provas. De lá para cá, eu sofri um linchamento como corrupto e quadrilheiro. Eu estou preparado para qualquer resultado." "E não vou deixar de fazer o que sempre fiz, que é lutar. É ilusão achar que eu vou... não faz parte da minha personalidade eu me abater. Se alguém tem a ilusão de que, me condenando, cometendo essa violência contra mim, vai me derrubar, pode tirar o cavalinho da chuva." Dirceu diz que só dará entrevista sobre o mérito do caso depois do julgamento. Não quer também comentar a hipótese de o publicitário Marcos Valério, já condenado à prisão por vários crimes, "explodir" no caso de ser preso. "O advogado desmentiu [declarações que Valério teria dado a terceiros acusando o ex-presidente Lula de participar do esquema]. Não tenho o que comentar." Diz que a sua principal intenção, na conversa, é afirmar que está bem e que não vai fugir do país para não ser preso caso seja condenado. "Essa história que inventam de que vou sair do Brasil não combina comigo", afirma o ex-ministro. "Saí [na década de 60] porque fui expulso do país. Cassaram a minha nacionalidade. Eu era um apátrida, não podia viajar. Quem me impedia de voltar era a ditadura militar. E mesmo assim eu voltei para o Brasil, duas vezes, colocando a minha própria vida em risco. Eu iria embora agora?" "O PT tem defeitos. Mas se tem algo que não conhecemos no PT é a palavra covardia. A chance de eu fugir do Brasil é nenhuma. Zero."
* Mônica Bergamo é colunista do jornal Folha de São Paulo
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