As eleições presidenciais de 2017 prometem ser um momento de ruptura na história política francesa. Destacam-se três movimentos de consequências imprevisíveis.
O primeiro movimento é a incapacidade dos grandes blocos sob os quais se estruturam o bipartidarismo da Quinta República, o conservador Republicanos e o social-democrata Partido Socialista, de lançar candidaturas fortes e hegemônicas.
No Republicanos, a alquimia parecia ter funcionado com a designação de
François Fillon, que derrotou duas lideranças históricas nas prévias do partido com um programa que repensa o lugar do Estado na economia política francesa.
Fillon, no entanto, teve a sua candidatura
atingida por uma denúncia na semana passada. Independentemente do desenlace desse caso –a permanência de Fillon ou a sua substituição por outro candidato– o partido perdeu o status de favorito.
No Partido Socialista, as prévias, concluídas no domingo passado, consolidaram, em vez de atenuar, as divisões entre os reformistas, defensores do legado de Hollande, e os contestadores, liderados pelo vencedor das primárias,
Benoit Hamon.
O Partido Socialista parece fadado a atravessar uma guerra fratricida à imagem da que afeta o Partido Trabalhista britânico desde que o radical
Jeremy Corbyn capturou o partido dos herdeiros do ex-premiê Tony Blair.
O segundo movimento é a emergência de Emmanuel Macron, candidato tão surpreendente quanto atípico. Tecnocrata quarentão, Macron rompeu com o governo Hollande, onde serviu como ministro da Fazenda, e apostou numa carreira política no final do ano passado.
Esta foi uma decisão recebida com ironia pela classe política, que acreditava ser impossível emplacar uma campanha sem aparelho partidário na chamada "França profunda".
Na semana passada, Macron passou Fillon nas sondagens como o candidato mais apto a derrotar Marine Le Pen, do partido de extrema direita Frente Nacional, no segundo turno. Seus comícios atraem milhares de pessoas.
Macron, no entanto, navega mal por questões de segurança pública. Uma lacuna importante num contexto em que incidentes como o de ontem colocam o terrorismo no cerne do debate.
| François Nascimbeni - 03.set.2016/AFP | |
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A candidata de extrema-direita, Marine Le Pen |
O terceiro movimento é a densificação do eleitorado das candidaturas antissistema. Le Pen adotou uma estratégia de normalização, revendo as suas posições em questões sociais como o aborto e o casamento homossexual.
E o candidato de extrema esquerda da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, desenvolveu uma abordagem inovadora nas redes sociais para interagir com os jovens da periferia.
As candidaturas antissistema têm potencial para conquistar 40% dos votos no primeiro turno das presidenciais. Se adicionarmos os 20% atribuídos a Emmanuel Macron, os partidos tradicionais parecem condenados a competir por um terço dos eleitores. Antigamente, republicanos e socialistas monopolizavam mais de metade dos votos.
Na França, as eleições legislativas, de importância crucial para a sobrevivência de um partido, são realizadas logo depois das presidenciais. Isso significa que, se o candidato do Partido Socialista ou dos Republicanos tiver um desempenho catastrófico, o partido corre o risco de perder a sua base no Parlamento.
O desaparecimento de um desses partidos do mapa político ditaria o fim do bipartidarismo na França. Um movimento de placas teutônicas que teria impacto em toda a Europa.
MATHIAS DE ALENCASTRO é doutor em Ciência Política na Universidade OxfordAs
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