quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Luís Eduardo Soares lança livro em Salvador

Considerado um dos maiores especialistas em segurança pública do Brasil, o escritor e antropólogo Luiz Eduardo Soares esteve em Salvador nesta quarta-feira (31). Coautor dos volumes 1 e 2 da série Elite da Tropa, que inspirou os filmes Tropa de Elite, ele participará da abertura da 15ª edição do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult), que rola até sábado (3), na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Durante o evento, o ex-Secretário Nacional de Segurança Pública deu a palestra Política como Experiência: Ódio e as Linguagens da Intensidade, às 18h30, no auditório da Faculdade de Arquitetura da Ufba. E ainda lançou seu mais novo livro, Desmilitarizar; Segurança Pública e Direitos Humanos (Boitempo, 2019
O CORREIO conversou com Luiz Eduardo Soares sobre a nova obra, a palestra no Enecult e o cenário da segurança pública no Brasil atualmente. Confira:
No Enecult, o senhor lançará seu mais novo livro, Desmilitarizar; Segurança Pública e Direitos Humanos. O que significa, de fato, desmilitarizar? 
Significa permitir que a polícia ostensivo-preventiva se organize de modo descentralizado, com flexibilidade adaptativa a circunstâncias locais, de acordo com as necessidades impostas por suas finalidades: servir à cidadania, garantindo-lhe os direitos, preservando-lhe a vida e a incolumidade. Hoje, como força reserva do Exército, a PM é obrigada a copiar seu modelo organizacional e sua cultura corporativa, adequados à guerra, não às metas de natureza policial, no estado democrático de Direito. Além disso, sendo militares, os policiais não podem se organizar e expressar, tornando-se vítimas de todo tipo de abuso e da superexploração de sua força de trabalho.
(Foto: Divulgação)

Também na obra, o senhor associa vários problemas relacionados à violência no Brasil com o racismo estrutural. Pode nos explicar essa relação?
Em 2017, segundo o Atlas da Violência mais recente, a taxa de homicídios dolosos cujas vítimas são negros foi de 43,1 por cem mil habitantes, enquanto a taxa relativa a vítimas brancas foi de 16 por cem mil. 75,5% das vítimas dos 65.602 homicídios eram negros. Entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de negros cresceu 33,1%, enquanto a de não-negros cresceu 3,3%. São negros cerca de 70% dos presos no perverso sistema penitenciário brasileiro, nesse processo de encarceramento que criminaliza a pobreza, focalizando varejistas não-violentos, não-armados e não-organizados do tráfico. Temos a terceira população carcerária do mundo, já estamos nos aproximando dos 800 mil presos, e a que cresce mais velozmente. Trata-se de um apartheid e de um verdadeiro genocídio. Por outro lado, o encarceramento em massa fortalece as facções. Ou seja, nosso país está destruindo vidas jovens e contratando violência futura. Isso tudo não ocorre no vácuo: há uma história multissecular de escravismo e racismo, que se inscreveram nas estruturas sociais e nas instituições. É preciso com urgência caminhar para a legalização das drogas e o desencarceramento.
O senhor comenta que é difícil convencer a opinião pública que não é uma boa ideia liberar policiais a abater criminosos. Por quê? 
Há a crença de que, agindo com liberdade para matar, sem respeito à legalidade, as polícias serão mais efetivas no combate ao crime. Trata-se de uma ilusão, cujas consequências são trágicas, como demonstra a história recente do Brasil. Quando se dá ao policial na ponta liberdade para matar, dá-se também liberdade para não fazê-lo e negociar com o suspeito sua vida. Nenhuma moeda é mais atraente do que a sobrevivência. A vida não tem preço. Cria-se aí uma fonte poderosa e inesgotável de corrupção policial e anarquia institucional, de que derivam as articulações entre polícia e crime, por um lado, e o desdobramento desse fenômeno, as milícias. Portanto, em vez de polícia forte e eficiente, o resultado é polícia indissociável do crime. Ou seja, mais crime e crimes cada vez mais graves.
Por que o senhor dedica o livro às mães de jovens e policiais mortos? 
As mães são as que mais sofrem com a guerra fratricida entre jovens pobres, oriundos dos mesmos territórios vulneráveis. Policiais e as vítimas da brutalidade policial letal tornam-se inimigos, mas são irmãos. Se tivessem consciência política, se uniriam contra o racismo e a violência, em torno da vida, da verdadeira justiça, da democracia e dos direitos humanos.
O senhor foi Secretário Nacional da Segurança Pública em 2003. Percebe algum avanço e/ou retrocesso na área desde então? 
Houve alguns esforços meritórios, que não tiveram continuidade. Mas a grande reforma da arquitetura institucional da segurança pública e do modelo policial ainda estão por se fazer. Seria obra de Estado, não de governos, e teria de contar com ampla participação da sociedade e dos próprios profissionais. Entretanto, os militares, que são a maioria dos policiais, estão proibidos de qualquer participação, por serem militares. Claro que mudanças nas polícias e na arquitetura institucional não produziria transformações sem que, no plano da sociedade, não combatêssemos o racismo estrutural e as desigualdades.
Como avalia a situação atual do país? Quais as perspectivas para a segurança pública? 
A situação de nosso país é dramática. O governo federal tem feito o oposto do que seria necessário, promovendo a devastação da soberania nacional e dos direitos sociais, mergulhando o Brasil no obscurantismo mais sinistro. O pacote de Moro aponta para mais violência policial e mais encarceramento, enquanto Osmar Terra defende mais guerra às drogas. Estamos diante do abismo e o governo da ultra-direita nos empurra para o desastre.
Também no Enecult, o senhor dará uma palestra, "Política como experiência: ódio e as linguagens da intensidade". Como será?
Vou tratar do que o país tem vivido, na relação da subjetividade com a política, nos últimos anos, seus fundamentos e suas implicações.
Quais os seus projetos para 2019? 
Tenho andado pelo Brasil para apresentar meu livro e dar minha modesta contribuição à defesa do que nos resta de democracia

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