O CORREIO conversou com Luiz Eduardo Soares sobre a nova obra, a palestra no Enecult e o cenário da segurança pública no Brasil atualmente. Confira:
No Enecult, o senhor lançará seu mais novo livro, Desmilitarizar; Segurança Pública e Direitos Humanos. O que significa, de fato, desmilitarizar?
Significa permitir que a polícia ostensivo-preventiva se organize de modo descentralizado, com flexibilidade adaptativa a circunstâncias locais, de acordo com as necessidades impostas por suas finalidades: servir à cidadania, garantindo-lhe os direitos, preservando-lhe a vida e a incolumidade. Hoje, como força reserva do Exército, a PM é obrigada a copiar seu modelo organizacional e sua cultura corporativa, adequados à guerra, não às metas de natureza policial, no estado democrático de Direito. Além disso, sendo militares, os policiais não podem se organizar e expressar, tornando-se vítimas de todo tipo de abuso e da superexploração de sua força de trabalho.
(Foto: Divulgação) |
Também na obra, o senhor associa vários problemas relacionados à violência no Brasil com o racismo estrutural. Pode nos explicar essa relação?
Em 2017, segundo o Atlas da Violência mais recente, a taxa de homicídios dolosos cujas vítimas são negros foi de 43,1 por cem mil habitantes, enquanto a taxa relativa a vítimas brancas foi de 16 por cem mil. 75,5% das vítimas dos 65.602 homicídios eram negros. Entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de negros cresceu 33,1%, enquanto a de não-negros cresceu 3,3%. São negros cerca de 70% dos presos no perverso sistema penitenciário brasileiro, nesse processo de encarceramento que criminaliza a pobreza, focalizando varejistas não-violentos, não-armados e não-organizados do tráfico. Temos a terceira população carcerária do mundo, já estamos nos aproximando dos 800 mil presos, e a que cresce mais velozmente. Trata-se de um apartheid e de um verdadeiro genocídio. Por outro lado, o encarceramento em massa fortalece as facções. Ou seja, nosso país está destruindo vidas jovens e contratando violência futura. Isso tudo não ocorre no vácuo: há uma história multissecular de escravismo e racismo, que se inscreveram nas estruturas sociais e nas instituições. É preciso com urgência caminhar para a legalização das drogas e o desencarceramento.
O senhor comenta que é difícil convencer a opinião pública que não é uma boa ideia liberar policiais a abater criminosos. Por quê?
Há a crença de que, agindo com liberdade para matar, sem respeito à legalidade, as polícias serão mais efetivas no combate ao crime. Trata-se de uma ilusão, cujas consequências são trágicas, como demonstra a história recente do Brasil. Quando se dá ao policial na ponta liberdade para matar, dá-se também liberdade para não fazê-lo e negociar com o suspeito sua vida. Nenhuma moeda é mais atraente do que a sobrevivência. A vida não tem preço. Cria-se aí uma fonte poderosa e inesgotável de corrupção policial e anarquia institucional, de que derivam as articulações entre polícia e crime, por um lado, e o desdobramento desse fenômeno, as milícias. Portanto, em vez de polícia forte e eficiente, o resultado é polícia indissociável do crime. Ou seja, mais crime e crimes cada vez mais graves.
Por que o senhor dedica o livro às mães de jovens e policiais mortos?
As mães são as que mais sofrem com a guerra fratricida entre jovens pobres, oriundos dos mesmos territórios vulneráveis. Policiais e as vítimas da brutalidade policial letal tornam-se inimigos, mas são irmãos. Se tivessem consciência política, se uniriam contra o racismo e a violência, em torno da vida, da verdadeira justiça, da democracia e dos direitos humanos.
O senhor foi Secretário Nacional da Segurança Pública em 2003. Percebe algum avanço e/ou retrocesso na área desde então?
Houve alguns esforços meritórios, que não tiveram continuidade. Mas a grande reforma da arquitetura institucional da segurança pública e do modelo policial ainda estão por se fazer. Seria obra de Estado, não de governos, e teria de contar com ampla participação da sociedade e dos próprios profissionais. Entretanto, os militares, que são a maioria dos policiais, estão proibidos de qualquer participação, por serem militares. Claro que mudanças nas polícias e na arquitetura institucional não produziria transformações sem que, no plano da sociedade, não combatêssemos o racismo estrutural e as desigualdades.
Como avalia a situação atual do país? Quais as perspectivas para a segurança pública?
A situação de nosso país é dramática. O governo federal tem feito o oposto do que seria necessário, promovendo a devastação da soberania nacional e dos direitos sociais, mergulhando o Brasil no obscurantismo mais sinistro. O pacote de Moro aponta para mais violência policial e mais encarceramento, enquanto Osmar Terra defende mais guerra às drogas. Estamos diante do abismo e o governo da ultra-direita nos empurra para o desastre.
Também no Enecult, o senhor dará uma palestra, "Política como experiência: ódio e as linguagens da intensidade". Como será?
Vou tratar do que o país tem vivido, na relação da subjetividade com a política, nos últimos anos, seus fundamentos e suas implicações.
Quais os seus projetos para 2019?
Tenho andado pelo Brasil para apresentar meu livro e dar minha modesta contribuição à defesa do que nos resta de democracia
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