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terça-feira, 24 de março de 2020

Rui e Neto são lideranças temperadas na adversidade

Com mestrado em administração pela UFBA (1996) e Doutorado em Ciências Humanas/Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/IUPERJ (2004), Paulo Fábio Dantas foi deputado Estadual pelo Partido Comunista. Sua tese de doutorado analisou o Carlismo na Bahia.
Neste ano, haverá a sucessão do prefeito ACM Neto. O PT deve lançar a major Denice Santiago, que é comandante da Ronda Maria da Penha, como candidata à prefeitura de Salvador. O que senhor pensa?
Paulo Fábio – O governador mostrou pouco entusiasmo no primeiro momento por uma articulação em torno do nome de Bellintani. Ele não melou nada, mas também não deu o incentivo que seria necessário. Então, Bellintani recuou. Com a saída de Lula da cadeia, que disse que o PT tem que ter candidato em todos os lugares, a direção do partido começou a trabalhar para um processo de escolha do candidato. Apareceram vários candidatos e no fim ficaram quatro. E tudo caminhava para a direção do partido escolher o candidato esperando o apoio do governador. Qual a foi a solução proposta por Rui Costa? A candidatura da major Denice. Uma solução totalmente heterodoxa. Fora dos padrões do partido. Ainda traz para o centro da disputa essa questão da segurança pública, que é delicadíssima. Os acontecimentos posteriores, como o (motim) do Ceará e a morte do miliciano (Adriano da Nóbrega), devem fazer com o que se reflita se é politicamente interessante colocar alguém que, dentro da polícia, tem se colocado como coibidora de excessos policiais. A imagem dela só pode ser bancada se houver uma decisão política de não permitir na polícia baiana que se prolifere a atitude de truculência porque senão a candidatura vai ficar pendurada na brocha.
Tribuna – O que a candidatura da major Denice Santiago significa?
Paulo Fábio – Significa que o governador disse ao partido o seguinte: “se querem que o governador entre na campanha de cabeça, tem que ser ela. Se não quiserem, vocês fazem a campanha e eu não vou ser responsável pela derrota”. Essa é a leitura que faço do movimento de Rui. E ele fez um movimento compreensível, que tem racionalidade. Essa candidatura desarma o discurso identitário que tem dentro do PT. Denice não tem discurso identitário.
Tribuna – Isso amplia o leque de eleitores?
Paulo Fábio – Ela pode dividir alguma coisa do eleitorado de (ACM) Neto. Eu creio que Rui Costa fez um movimento racional do ponto de vista dele. Qualquer outro dos quatro candidatos (Robinson Almeida, Vilma Reis, Fabya Reis e Juca Ferreira) que ele apontasse seria dar apoio a um movimento externo ao governo. Ele não teria um candidato dele. Ele queria colocar o dedo dele.
Tribuna – Como o senhor observa a articulação de ACM Neto para manter a prefeitura de Salvador?
Paulo Fábio – Por que Bruno Reis é o candidato de ACM Neto? Ele tinha quadros que, do ponto de vista político e administrativo, eram mais promissores do que Bruno Reis. Leo Prates era um e Bellintani era outro. Na construção, ele privilegiou Bruno Reis, porque Leo Prates, do ponto de vista político, e Bellintani, do ponto de vista administrativo, demonstravam ter autonomia de voo maior do que Bruno Reis. E Neto precisa de alguém com mais fidelidade ao projeto. Bruno pode surpreender e virar Rui Costa? Pode. Mas, de todos os candidatos, ele é hoje que Neto tem mais controle. Foi a lógica de Antônio Carlos quando escolheu Clériston e não Mário Kertész. Foi a lógica de Wagner quando escolheu Rui Costa. Foi a lógica de Seabra quando escolheu Antônio Muniz. Essa é a lógica de política.
Tribuna – Como o senhor observa a articulação de Jaques Wagner para voltar a ser governador da Bahia?
Paulo Fábio – Eu acho que ele quer voltar, mas não depende dele. Wagner é um político realista. Sabe que não depende da vontade dele. Por isso, ele não quer brigar com Rui. O que ele quer é coordenar a sucessão em 2022, e Rui pode não estar satisfeito com isso. Rui é um homem relativamente de jovem. Por que ele vai encerrar a carreira dele? Rui Costa depois de um governo bem avaliado pode aspirar ser senador. Para ele ser senador, o projeto de Wagner de voltar ao governo desaparece.
Tribuna – O senhor tem dito que o grupo carlista não existe mais, mas há uma ideologia carlista?
Paulo Fábio – O grupo carlista se manteve na Bahia até a eleição de 2010. O governo do Estado trabalhou no sentido de cooptar muitas prefeituras para o lado do governo através de Geddel. Em 2004, elegeu 20 prefeitos em toda a Bahia. Quando começou a eleição de 2018, o MDB já tinha 100. De onde vieram esses 80? Ele pegou 80 prefeitos que estavam nos partidos carlistas. Como Geddel saiu candidato a governador (em 2010), Wagner se encarregou de tomar boa parte dos prefeitos e entregar para Otto Alencar. Então, a estrutura partidária do carlismo foi emagrecida por uma dupla pressão de um lado o governador e, do outro lado, o MDB. A partir de então, começa uma nova uma história. Wagner estava montando um esquema tão poderoso quanto o carlismo. A eleição de 2014 só não foi passeio de Rui Costa porque a situação nacional como a degringolar, com a manifestação em 2013 e a eleição polarizada em 2014. O esquema político do PT era para se reproduzir durante muitos anos, mas não aconteceu isso porque a situação nacional mudou. Rui Costa entrou no governo na hora da maré vazante assim como ACM Neto começou seu trabalho na maré vazante do carlismo. Temos duas lideranças do estado que foram temperadas na adversidade. Então, Wagner foi artífice de um esquema político que, na minha opinião, desmontou o carlismo na Bahia. O carlismo deixou de existir como grupo político desde 2010. O que ACM Neto passou a fundar depois de sua eleição é outra coisa.
Tribuna – Mas a oposição tenta vincular ACM Neto aos aspectos negativos do carlismo.
Paulo Fábio – Mas para cada vez menos eleitores isso importa na Bahia. ACM saiu do poder nacional em 2002. Quem tem 25 anos de idade hoje tinha sete anos quando ACM deixou o poder nacional. E tinha 11 anos de idade quando ACM perdeu o poder estadual. O sucessor de ACM não fez da memória do avô o centro de sua política. Os adversários tentam o tempo todo colar essa marca nele. Mas Neto passou a construir uma imagem diferente do avô, sem nunca confrontar.
Tribuna – ACM Neto é um antipetista hoje?
Paulo Fábio – O adversário retórico de ACM Neto é o PT, mas o adversário que ele vai ter também não é Rui. Tanto que parou o confronto de Rui e Neto. Se depender de Neto, não tem. Qual é a questão de Neto? É brigar com menos gente e amealhar o máximo possível de apoios. Quando Wagner começou a articular a candidatura de Bellintani, qual foi a reação de Neto? Elogiar Bellintani. Então, quem está fazendo política na Bahia na base de carlismo e anticarlismo quer cuidar apenas do eleitorado antigo seu. O eleitorado da Bahia está dando as costas para isso.
Tribuna – O carlismo existe enquanto uma ideologia?
Paulo Fábio – Eu acho que não. O modo de fazer política do carlismo é um modo entranhado na tradição da política brasileira. Está dentro do grupo ACM Neto e está dentro do grupo de Rui Costa. Rui Costa se parece mais com o ACM dos anos 90 do que o neto de ACM. Hoje, fazendo política. Parece que Rui Costa é ACM e ACM Neto é Wagner.
Tribuna – Há hoje uma polarização entre petistas e antipetistas?
Paulo Fábio – Eu não creio nisso. Se Neto conseguir fazer o seu sucessor e influenciar em outras cidades importantes da Bahia, ele pode fazer um movimento para ganhar o governo. E as forças que estão hoje compostas vão ter um momento de definição. O PT para continuar comandando as forças vai ter que resolver as coisas entre Rui Costa e Wagner. O problema central para o PT se manter é isso. Ou Wagner vai desistir de voltar ao governo ou Rui vai desistir de ser senador. Não tem lugar para as coisas. Não cabem dois petistas na mesma chapa. Ou o PT resolve isso ou vai ter sair separado de outros aliados que hoje estão com eles.
Tribuna – O governo de Rui pode ser considerado um governo de esquerda?
Paulo Fábio – É um governo de esquerda porque ele é governador de um partido de esquerda. Claro que é. Essa conversa do PSOL de que o PT não é um partido de esquerda é conversa para ganhar eleitor do PT. Mas é claro que o PT é o partido mais expressivo de esquerda. Ele tem um estilo que lembra o de Antônio Carlos, mas ele não será o primeiro político de esquerda a ter isso. Esse estilo vertical de mando não exista só na direita, embora na direita seja o ambiente que abrigue mais esse tipo de liderança vertical. ACM Neto deixa de ser direita por que faz um estilo de política como de Wagner? Não. Ele continua sendo direita. O que a maturidade da análise precisa compreender é que existem raposas e leões, para usar a expressão de Maquiavel, na esquerda e na direita.
*Paulo Fábio é Professor da Universidade Federal da Bahia
** Entrevista ao jornal Tribuna da Bahia

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