domingo, 3 de maio de 2020

Governar é diferente de fazer campanha

Jairo Pimentel*
Bolsonaro se tornou referência para a direita porque conseguiu, em meio ao caos da política brasileira, emplacar uma agenda conservadora moral. Essa agenda favorece a direita, pois a maioria dos eleitores brasileiros são conservadores nos costumes. Essa agenda estabeleceu uma narrativa de batalha entre o que a direita chama de marxismo cultural e a religião cristã/evangélica. Uma batalha do mal, representado pela esquerda, contra o bem, representado pela direita. A esquerda caiu na armadilha de Bolsonaro ao tentar enfrentá-lo nesse campo, pois é uma batalha perdida. Exemplo disso, foi a queda dos votos no PT entre os evangélicos na última eleição. Bolsonaro também ganhou relevância por seu discurso anti-establishment e anti-corrupção. Campos em que a oposição tem dificuldades de discurso, por conta dos desdobramentos do mensalão e da Lava Jato.
O Estudo Eleitoral Brasileiro mais recente mostrou que 43% dos eleitores se declaravam de direita em 2018. Em 2014, eram apenas 27%.
É incontroverso - as pesquisas de opinião apontam isso - que a confiança da população nas principais instituições está caindo, e há muito tempo. Bolsonaro soube capturar politicamente parte dessa insatisfação, ao lado da ojeriza ao PT. Foi o candidato anti-establishment, com sucesso.
Governar é diferente de fazer campanha. Ao contrário do que uma visita ao Twitter pode fazer crer, a popularidade de Bolsonaro é baixa; sua base social, embora barulhenta, limitada. Não há um fato grave a galvanizar os apoiadores do presidente. Congresso e Supremo são inimigos difusos.
Ao radicalizar o ambiente político, Bolsonaro joga, previsivelmente, contra a agenda de seu governo, contra a estabilidade institucional do país e, talvez não perceba, contra sua própria sobrevivência no cargo.
Sobrevivência política? Sim. Se não contiver minimamente seu impulso para guerrear com tudo e com todos, o presidente estará isolado e fragilizado em pouco tempo. Apoio político, em Brasília, não se conquista com vídeo de WhatsApp. Inimigos, sim.
* Cientista político , pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV.

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