Antonio Magalhaes Ribeiro*
Em linha com a nossa perversa tradição de culto à personalidade, mal encerramos o período barulhento do “Lula livre” e logo ingressamos no marketing pessoal do “mito”. A opção pela adoração a líderes não esconde a pouca importância que seus adeptos dedicam aos graves problemas do país, posto que, nas redes, são privilegiadas apenas as “fake news”, disparadas por robôs, cuja pobreza de conteúdo revela o atraso dos seus operadores. Nesse ambiente de aversão ao conhecimento, as agressões e asneiras proferidas em nome da política têm se alastrado com a mesma velocidade que o famigerado Covid-19.
Traço característico da nossa história, a frequente opção eleitoral dos brasileiros por “salvadores da pátria” expõe, no mínimo, o desprezo da nossa sociedade para com as iniciativas e esforços coletivos com vistas à superação das nossas mazelas.
Jânio, Collor, Lula e Bolsonaro são exemplos de discursos salvacionistas, turbinados com doses de moralismo. Quanto aos dois últimos, o culto à personalidade tem se manifestado de forma mais agressiva, o que terminou por igualar lulistas e bolsonaristas, tanto nas manifestações autoritárias que repelem, com virulência, os que discordam das suas crenças, quanto no desprezo que conferem à ciência, às instituições e à realidade dos fatos. Para os amantes do seguidismo, nada disto tem valor se não está em conformidade com a “verdade” pronunciada por seu líder.
Afinal, acreditam que só o seu “profeta” conhece o caminho da verdade e fora dele não há salvação.
Coerência não é, exatamente, a qualidade maior dos seguidistas. Para uns, não há contradição, por exemplo, em propor a ética nos discursos e, depois, defender enfaticamente os seus líderes condenados por crimes de corrupção. Para outros, com a mesma naturalidade que, pela manhã, disparam mensagens cristãs, no resto do dia enaltecem os ideólogos da tortura.
Também em comum, a virulência e cegueira que guiam suas ações: de um lado, tentam justificar esta prática, em razão de uma suposta causa política, em nome da qual arrastaram o país para o caos moral e econômico; do outro, o impetuoso desejo de impor valores repulsivos escamoteados durante o processo de redemocratização, agora escancarados, visto que encontraram eco na figura de um presidente que defende práticas que o mundo civilizado já repudiou.
Esta decadente e perigosa realidade impõe, urgentemente, a construção de um amplo arco de forças políticas capaz de superar a inútil polarização em curso – responsável pela deterioração do ambiente social e político –, oferecendo à nação propostas factíveis rumo a uma estabilidade que possibilite o enfrentamento das crises na saúde e na economia, e que una os democratas no combate às desigualdades sociais, à violência e corrupção que tanto agridem e humilham a nação.
*Doutor em Sociologia econômica/Universidade de Lisboa e mestre em administração/Ufba
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