Aprendi com minha mãe que mentir idade é uma tolice. Segundo ela, você diz que tem dez anos menos do que a realidade e a pessoa pensa: Coitada, está acabada… Ela, que era conservadíssima, uma menina, dizia a idade verdadeira e todo mundo se espantava. Nunca menti idade, nem usei artifícios como colocar um ponto e dizer que tem 6.9… Acho isso engraçado, penso que as pessoas se sentem mais jovens, parece que ainda estão na infância por causa de um ponto. Na verdade, sempre dei muito valor ao tempo que vivi. Me explico, me parece muito bem eu ter 70 anos e conservar as experiências que este tempão de vida me deu. Não queria ter 20. Com vinte eu era uma imbecil! De verdade! Já tinha casado, não sabia nada de como ser “dona de casa”, nem de viver sem meus pais, me embananava na escolha da profissão, mudando de curso, trancando matrícula… Diria que um caos completo. Como vou querer voltar atrás, perder o que ganhei com tantos erros e desacertos?
Mas bem, completados os meus 70 anos no meio de agosto passado, vi que não doeu e nem foi motivo para infelicidade ou depressão. Lembrei de quando papai completou seus 70 e ficou bem tristonho. Saiu para jantar com Bruno Giorgio, que tinha 80 e quis saber o porque da tristeza do amigo. O amigo resolveu o problema de papai em dois tempos, com uma frase: Velho é quem tem mais 10 anos do que a gente! Assim, Bruno era velho para Jorge, mas só um de 90 seria velho para Bruno… O truque foi bem recebido, mais uma vez conseguiu passar a perna numa depressão que se anunciava e foi publicar e escrever livros. “Tocaia Grande” e “A bola e o goleiro”, escrito para crianças, foram lançados neste ano. Depois escreveu mais três, entre os quais a biografia “Navegação de Cabotagem””, de 700 páginas. Estava feliz, pleno, dez anos depois, quando completou 80!
Minha mãe, ao completar 70, estava na sua melhor fase. Cheia de leitores, seus quatro livros publicados fazendo sucesso. Comemorou a nova idade com um livro de fotografias, “Reportagem Incompleta”, publicado pela Editora Corrupio, com texto de Pierre Verger. Mostrava que antes de ser memorialista por escrito, era por imagem! Grande fotógrafa foi a minha mãe! Escreveu mais 12 livros depois dos 70: 11 de memórias e um romance! Como minha mãe me deixa exclamativa, não é? Viva ela!
Sua festa de 70 anos foi em Brasília. Assinou, no Palácio do Planalto, a instituição da Fundação Casa de Jorge Amado, pela qual tanto lutou. Quando papai aceitou mandar seu acervo para uma universidade nos Estados Unidos, ela se insurgiu e conseguiu, com a ajuda de Myriam Fraga, Germano Tabacof e ajuda nossa (família e amigos) fazer esta fundação, que continua hoje, 35 anos depois, guardiã da obra de Jorge Amado no casarão azul do Pelourinho.
João Jorge, meu mano querido, comemorou seus setenta da melhor maneira possível: juntou os 4 filhos e 7 netos, pegou Dorinha pela mão, e foram caçar auroras boreais na Noruega, no mais ao Norte do planeta. Num navio engraçado, no meio da neve, de Júlia, já mocinha (hoje estudante de medicina) até Heitor, começando a andar, todos foram presenteados pelo avô, um sábio, que continua menino.
Ano passado, quando vi gorar a viagem que faríamos de Veneza à África do Sul, passando por Petra, meu sonho maior de turismo, comentei com Rina, minha amiga querida: “Não viajo, mas faço o maior festão nos meus 70 anos, em 21, sem pandemia.” Que festão, que nada… A pandemia não passou, não pude abraçar nenhum amigo no dia, nem comadre Gal, nem Beto, que vieram, trouxeram bolo, cantaram parabéns, mas não abraçamos… Mas abracei minha Ci, que além dos muitos presentes (sereias, perfume de caju…) fez um PCR e passou o dia todinho comigo. Seu abraço me trouxe a alegria de fazer 70 anos: foi uma palavra boa de amigo, como a de Bruno Giorgio; foi um feito histórico, como a instauração da Fundação Casa de Jorge Amado; foi o imenso calor da família que derrete a neve no marco mais ao Norte do mundo. Seu abraço foi minha aurora boreal!
Escrevi esta crônica a 22 de abril, mas não publiquei. Reescrevi hoje rapidamente, para não falhar mais uma vez. Estou com três dos meus mais queridos, a família mais próxima, com COVID, e meu coração apertado e triste. Não vai ser nada, todos sairão bem, eu espero, mas não tenho capacidade de melhores palavras. Espero na semana que vem estar de volta. Pelo menos o golpe do maléfico gorou, como era de se esperar.
Boa semanaa todos, com liberdade, paz e saúde.
*PALOMA GATTAI AMADO
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