Conexões reais, um dos pilares para a longevidade, podem não ser facilmente substituídas pelas virtuais
Ronaldo Lemos*
Está na moda agora falar das “blue zones”. São as regiões do planeta onde as pessoas vivem mais do que o esperado, ultrapassando cem anos. Por exemplo, Icária, a ilha grega no mar Egeu, a península de Nicoya na Costa Rica, as ilhas de Okinawa no Japão, ou ainda, a comunidade adventista Loma Linda na Califórnia. Lugares completamente diferentes, mas com a longevidade (e saúde) dos seus habitantes em comum. No streaming tem até documentário recente sobre o tema (que não vi). Vários estudos tentam fazer a “engenharia reversa” dessas regiões, buscando o segredo da vida longa e saudável. Por exemplo, hábitos alimentares. Várias das regiões consomem 90% ou mais de alimentos de origem vegetal, com destaque para feijão preto, batata doce, lentilha e soja (consumida como tofu). Praticamente não consomem leite e derivados nem açúcar. O consumo de carne (na maior parte de porco) ocorre cerca de cinco vezes por mês em porções pequenas. Peixe também é consumido em pequenas quantidades. Várias blue zones, mas não todas, consomem vinho, limitado a uma ou duas taças por dia. Muita gente olha para esses dados e chega à conclusão: basta adotar a dieta das blue zones para viver mais de cem anos. Nada mais equivocado. O ponto em comum entre todas essas regiões não é a dieta. É a qualidade dos relacionamentos. Em todas as blue zones as pessoas cultivam relações fortes e duradouras entre si. Esse senso de comunidade é o pilar de uma vida mais longa. Essa constatação aparece não só observando as blue zones, mas também no famoso estudo multigeracional de Harvard sobre desenvolvimento adulto que acompanha grupos de pessoas e seus filhos há 85 anos. A mesma conclusão está também em pesquisas do Centro de Longevidade de Stanford: relacionamentos fortes e sociabilização são centrais para uma vida saudável. A questão que permanece em aberto é justamente o impacto da tecnologia sobre as relações pessoais. Será que o virtual produz efeitos similares às conexões reais? Por exemplo, em Loma Linda os habitantes se unem fortemente por laços religiosos.
Em Okinawa as pessoas praticam o “moai”, hábito de cultivar um grupo de cinco amigos, comprometidos pela vida toda. Em um mundo cada vez mais mediado pela tecnologia as pessoas não estariam se tornando individualizadas e desconectadas umas das outras? Seria a tecnologia a força capaz de dinamitar um dos pilares da longevidade? Mesmo que o número de conexões virtuais cresça, sua qualidade decai. Um estudo do instituto Gallup determinou que os laços de amizade não são iguais. Há pelo menos oito tipos de amigos que são vitais ao longo da vida. O “construtor”, que ajuda na nossa formação. O “colaborador”, com quem fazemos projetos juntos. O “conector”, que nos apresenta a pessoas importantes, e assim por diante. Dificilmente esses papéis podem ser desempenhados online. Vale lembrar também da pesquisa feita nos EUA em 2019, que apontou que 22% dos millenials têm zero amigos. Em gerações anteriores, o número dos sem-amigos girava em torno de 9%. São pessoas que vivem no oposto de uma blue zone. Estão mais próximos de uma zona sombria, de mau presságio para todos nós.
*Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
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