Observatório do Cotidiano

Reflexões e artigos sobre o dia a dia, livros, filmes, política, eventos e os principais acontecimentos

domingo, 2 de novembro de 2025

Pau Brasil, ainda em perigo.


O pau-brasil (
Paubrasilia echinata) é uma árvore da família Fabaceae nativa e endêmica da Mata Atlântica e ocorre de forma nativa apenas nos Estados de Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Popularmente a espécie é chamada de arabutã, ibirapiranga, ibirapitá, ibirapitanga, orabutã, pau-de-tinta, pau-pernambuco e pau-rosado.

Pode atingir entre 15 e 20 metros de altura, apresenta acúleos que recobrem seu tronco, que internamente apresenta cor avermelhada. O nome Brasil, vem de pau-de-brasa, forma como os portugueses chamavam a árvore graças à cor da parte interna do tronco.As folhas do pau-brasil são bipinadas e as inflorescências são terminais, agrupando de 15 a 40 flores de pétalas amarelas. A pétala central é modificada e exibe uma mancha de cor vermelha.



Devido à exploração predatória, ocorrida com a chegada dos colonizadores, a espécie quase foi levada à extinção.

Originalmente o pau-brasil era utilizado pelas comunidades indígenas brasileiras para a confecção de arcos e flechas e para pintar enfeites com o corante vermelho extraído de sua polpa.

Logo após a chegada dos portugueses, foi iniciado o chamado “ciclo econômico do pau-brasil" em 1503, sendo esta árvore o único recurso explorado pelos 30 anos seguintes. A extração da madeira para venda no mercado europeu, visava a fabricação de móveis e instrumentos musicais, e a produção de corante vermelho para tingimento de tecidos.


Regimentos e tentativas de manutenção e exploração sustentável não foram suficientes para tirar a espécie do risco de extinção: atividades econômicas como o cultivo da cana-de-açúcar e do café, aliados ao crescimento populacional e ao desmatamento da faixa litorânea, restringiram drasticamente seu habitat natural.


Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, o pau-brasil se encontra na categoria "em perigo", considerada como estando a sofrer um risco muito elevado de extinção na natureza.


A palavra brasileiro em tempos coloniais significava tirador de pau-brasil, um adjetivo para designar profissão e não origem. Os brasileiros eram originalmente criminosos banidos de Portugal. Posteriormente a palavra brasileiro passou a designar as pessoas nascidas no Brasil - o único país do mundo com nome de árvore.

Celebrado em 3 de maio, o Dia do pau-brasil foi criado em dezembro de 1978 com a Lei 6.607, que também definiu a espécie como árvore nacional.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Cidade maravilhosa ou tenebrosa?


O cenário mais provável para o Rio de Janeiro, sem as mudanças necessárias:  a cidade se esgarça

Expansão territorial do crime

Milícias e facções seguirão tomando territórios da Zona Oeste e da Baixada, e ampliando sua influência econômica (construção, transporte, gás, internet).

O Estado se reduzirá a ilhas de controle formal, como o Centro, a Zona Sul e áreas turísticas, enquanto o resto da cidade vive sob “governos paralelos”.

Colapso econômico gradual

Investidores e empresas fogem de lugares sem segurança jurídica nem física.

O turismo internacional cai, e o setor de serviços — principal motor da economia carioca — entra em declínio.

O emprego formal diminui, e a informalidade domina.

 Êxodo silencioso

As classes médias continuarão migrando para outras cidades ou estados, buscando escolas e segurança.

O Rio pode seguir o caminho de cidades latino-americanas marcadas por abandono e enclaves de luxo cercados por miséria.


A guerra cotidiana

O confronto armado se tornará rotina — não mais notícia.

A juventude pobre seguirá sendo recrutada por facções e milícias, pois o crime continuará sendo o único projeto de ascensão social disponível.

As forças policiais, corrompidas ou desmoralizadas, atuarão de forma cada vez mais violenta e política.

 O Estado paralelo substitui o Estado oficial

As milícias cobrarão taxas de segurança, venderão serviços e imporão suas próprias leis.

O poder público se tornará decorativo, mantendo apenas aparência de governo.

O voto continuará sendo manipulado por grupos armados e clientelismo.

A morte simbólica da “Cidade Maravilhosa”

O Rio sempre foi o espelho do Brasil — bonito, criativo, mas desigual e contraditório.

Se a cidade se entregar ao caos, o país inteiro perde um símbolo de sua alma.

A Cidade Maravilhosa não morre de uma vez: ela se apaga aos poucos, até que restem apenas memórias — o carnaval domesticado, o futebol comercializado, e o mar separado por muros invisíveis.

Mas… ainda há caminhos de salvação

Mesmo num quadro sombrio, o Rio ainda pode se reinventar, porque:

 É uma cidade rica culturalmente e socialmente viva.

  Ainda há pessoas corajosas e instituições sérias (ONGs, coletivos, jornalistas, professores, policiais honestos) tentando fazer o certo.

E historicamente, o Rio sempre soube renascer das próprias crises.

A cidade só será irremediavelmente perdida se a sociedade desistir de cuidar dela.

Enquanto houver quem denuncie, quem ensine, quem plante, quem sonhe — há chance.

Mas essa chance depende de voto consciente, pressão popular e ação local — não de milagres ou salvadores da pátria.


O Agente Secreto. Quando o cinema é o próprio disfarce


André Azenha*

Em O Agente Secreto, Kleber Mendonça Filho subverte expectativas. O filme começa feito um thriller de espionagem, mas logo se transforma em algo maior: uma colagem de gêneros, ecos e memórias cinematográficas. Kleber faz o que sempre soube fazer — cria a partir das ruínas, mistura política, melancolia e invenção formal. Mais ou menos à maneira de Quentin Tarantino, ele recicla cults e clássicos: da Nouvelle Vague ao Cinema Novo, do cinema de retomada ao asiático, do europeu ao nordestino. O resultado é um mosaico em que o Brasil se revela por reflexos, lapsos e silêncios.

A história de Marcelo (Wagner Moura), fugitivo que desembarca no Recife de 1977, é apenas o fio condutor. Por trás dele, o que se esconde é o retrato de um país que apaga pessoas, lugares e lembranças — o mesmo Brasil de Aquarius, Bacurau e Retratos Fantasmas. A fotografia, de tons sépia e luz difusa, remete a um cinema antigo, quase analógico, em que cada plano parece resgatar uma lembrança. O São Luiz, o centro, a Praça do Sebo, o som abafado das fitas e dos projetores: tudo pulsa como um inventário da memória recifense.

Como em Recife Frio, seu curta-metragem mais provocador, Kleber volta à cidade como se fosse um personagem — viva, contraditória, ameaçadora. E é ali que a trama se expande para um território moral: um Brasil de arquivos censurados, polícias corruptas e identidades ocultas. Cada personagem parece ser um agente duplo de si mesmo, e o passado insiste em vazar pelos poros do presente.

Mas a verdadeira subversão de Mendonça Filho está na estrutura. Quando esperamos a catarse, o filme corta o tempo — num gesto à la irmãos Coen, como em Onde os Fracos Não Têm Vez ou Bravura Indômita. O que seria explosão vira silêncio; o que prometia vingança se dissolve em melancolia. É aí que o filme revela seu segredo: não é sobre espionagem, mas sobre esquecimento.

Com atuações intensas de Moura, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Tânia Maria (uma revelação aos 78 anos), O Agente Secreto é ao mesmo tempo um épico político e uma elegia à memória. Kleber transforma o cinema em espelho e em disfarce — um lugar onde o que é apagado continua a viver, teimosamente, na luz da tela.

*Professor é crítico de cinema

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Da Castelo de Areia a Lava Jato: Como a impunidade no Brasil alimenta corrupção


Osvaldo Campos Magalhaes*

A Operação Castelo de Areia, deflagrada em 2009 pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, foi uma das primeiras grandes tentativas de investigar a corrupção sistêmica em obras públicas no Brasil. A operação teve como foco empreiteiras de grande porte, como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão, e contratos de metrôs e trens urbanos em São Paulo, Brasília, Salvador e outras cidades. Documentos internos das empresas, planilhas de repasses e registros de reuniões apontavam propinas, superfaturamento e financiamento ilícito de campanhas políticas.

Durante a investigação, o advogado Márcio Thomas Bastos atuou na defesa jurídica de alguns dos alvos, contestando provas e orientando estratégias legais. Relatórios da Polícia Federal também indicavam que recursos desviados chegavam a campanhas de partidos aliados ao governo federal, incluindo figuras próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora nenhuma denúncia formal tenha sido apresentada contra ele na Castelo de Areia.

Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça anulou todas as provas, alegando ilegalidade na quebra de sigilos baseada em denúncias anônimas. Com a nulidade, nenhum executivo ou político foi punido, e as práticas ilícitas permaneceram ativas, permitindo que o modelo de cartelização e superfaturamento se expandisse para setores ainda mais estratégicos, especialmente a Petrobras. Entre 2004 e 2013, gerentes e diretores da Petrobras desempenharam papel central no esquema de corrupção. Diretores de áreas estratégicas, como Engenharia e Abastecimento, recebiam propinas das empreiteiras em troca de favorecimento em contratos. Os pagamentos eram realizados via caixa dois, contas de fachada e offshores, muitas vezes intermediados por executivos das próprias empresas. Esse esquema permitia superfaturamento de contratos milionários, que financiava campanhas políticas e enriquecimento pessoal de agentes públicos e políticos. Gerentes e diretores também influenciavam licitações, garantindo que consórcios de empreiteiras, já formados em cartel, obtivessem contratos sem competição real.

Quando a Operação Lava Jato começou, em 2014, encontrou esse mesmo modelo ampliado e consolidado, agora em contratos da Petrobras e obras federais, com um esquema ainda mais sofisticado e internacional. Prisões emblemáticas marcaram a operação: Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht S.A., foi preso em 2015 por coordenação de pagamentos de propinas a políticos e agentes públicos, lavagem de dinheiro e participação em cartel. Diversos diretores e gerentes da Petrobras também foram denunciados ou presos por autorizar contratos superfaturados e receber pagamentos ilícitos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado em processos da Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, relacionados a imóveis e reformas financiadas por empreiteiras, embora suas condenações tenham sido posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal devido a questionamentos sobre a imparcialidade do juiz e a competência da Justiça.

A Lava Jato teve excessos e erros graves, mas seu saldo foi positivo para o país. Ela quebrou a cultura de impunidade, recuperou bilhões desviados, fortaleceu instituições de controle e mudou o comportamento de empresas e agentes públicos. Mesmo com as anulações, seus efeitos estruturais e morais permanecem — e talvez este seja seu maior legado.

A trajetória entre Castelo de Areia e Lava Jato evidencia um ponto central: a impunidade inicial fortaleceu a corrupção sistêmica. A nulidade da Castelo de Areia permitiu que empreiteiras continuassem a formar cartéis, que políticos continuassem a receber recursos ilícitos e que executivos da Petrobras operassem como facilitadores do esquema. Mais tarde, a Lava Jato retomou parte das investigações e a Andrade Gutierrez acabou firmando acordo de leniência, admitindo cartel e pagando multas — embora o foco principal tenha sido o metrô de São Paulo, não o de Salvador especificamente.
A Lava Jato não surgiu em um vazio; foi uma resposta tardia a um modelo de corrupção que já estava consolidado. O caso mostra, de forma clara, que a falta de responsabilização imediata em investigações robustas cria um efeito multiplicador, ampliando o alcance da corrupção e o prejuízo para o país.
* Engenheiro Civil e Mestre em Administração, foi Superintendente de Transportes do Governo da Bahia e membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB.

domingo, 14 de setembro de 2025

A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis

Luiz Inácio Lula da Silva*

Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os interesses em jogo. Por isso, examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. A recuperação dos empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação generalizada, dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira. Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a tarifas elevadas. Nos últimos 15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão. A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para abrir canais de negociação. O governo americano está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas. Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal (STF) por sua decisão histórica na quinta-feira, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito. Não se tratou de uma "caça às bruxas". A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. A decisão foi resultado de meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do STF. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022. O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes. Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico, bem como sua suposta falha em aplicar as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital brasileiro, conhecido como PIX, possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia. Nos últimos dois anos, reduzimos a taxa de desmatamento na Amazônia pela metade. Só em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem a sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o Centro-Oeste americano. Quando os Estados Unidos viram as costas para uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalharem juntos em áreas nas quais têm objetivos comuns. Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor afirmou que “nações fortes e soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem mutuamente e cooperarem para o bem de brasileiros e americanos.

*New York Times, 14/09/25

**Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente do Brasil.

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