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terça-feira, 12 de abril de 2011

Energia Nuclear - Do Anátema ao Diálogo"

Efeitos do terremoto na usina de Fukushima (foto) não diminuem o otimismo de José Eli da Veiga quanto à energia nuclear
Sérgio Adeodato*
Enquanto o acidente na usina nuclear de Fukushima muda o curso de investimentos em energia e gera fervorosos protestos mundo afora, vozes dissonantes surgem na contramão, para mostrar que há um lado positivo em meio às incertezas do episódio. Na corrente dos que defendem cautela nas críticas está o economista José Eli da Veiga, organizador de "Energia Nuclear - do Anátema ao Diálogo". Ele engrossa o coro de que participa o ambientalista e escritor inglês George Monbiot, ferrenho opositor convertido publicamente à energia nuclear. "A crise no Japão foi a gota d'água para tornar-me favorável às usinas", afirma Veiga, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Seu argumento está livre de paixões: "Apesar de um terremoto tão grave, a central nuclear acidentada, tecnologicamente atrasada e mal planejada, não sofreu impactos devastadores, o que justifica o otimismo quanto às usinas modernas, muito mais seguras". Antes de mergulhar no tema do livro, que chega às livrarias em tempos de preocupação com as manchetes vindas da Ásia, Veiga acumulava dúvidas. "Estava literalmente em cima do muro", admite. No passado, por receio dos riscos ambientais, sua posição era contrária às usinas, "mesmo não sendo ambientalista ou ter 'abraçado' Angra II nos protestos do Greenpeace". De uns anos para cá, sua visão mudou. Após aprofundar estudos sobre a economia de baixo carbono e o aquecimento global, ele passou a abordar a questão sob um foco diferente. "Enquanto não acontece uma revolução na matriz energética, a alternativa nuclear deve ser tratada como um caminho para a redução de gases do efeito estufa, principalmente em países dependentes em larga escala do carvão", explica Veiga, dedicado a escrever sobre economia socioambiental e sustentabilidade desde quando esses termos ainda não existiam. As dúvidas o inspiraram para o desafio do novo livro, estruturado na controvérsia de pontos de vista, a partir de uma coletânea de ensaios assinados por estudiosos. De um lado, está Leonan dos Santos Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear S.A, operadora das usinas brasileiras. Em defesa da fonte atômica, ele apresenta dados e diferentes cenários com o propósito de desmistificar a opção nuclear, justificando sua importância para a redução de dióxido de carbono e para o desenvolvimento econômico do país, como complemento estratégico à energia das hidrelétricas. Até 2050, diz ele, a população mundial aumentará de 6,6 bilhões para 9 bilhões de habitantes e em poucas décadas a energia consumida superará o total até hoje utilizado pela humanidade. A busca por fontes limpas, segundo Guimarães, é primordial para o controle da poluição e dos danos à saúde, que também significam custos financeiros e sociais elevados. "Apesar dos benefícios, convicções contra a energia nuclear ainda podem ser encontradas em especulação de jornalistas e burocratas com interesses na área ambiental e no estranho caso da Alemanha, cuja política partidária continua presa a uma ideologia antinuclear antiquada." No outro lado do debate proposto pelo livro, como contrapeso crítico, está o físico José Goldemberg, da USP, reconhecido internacionalmente por diversos trabalhos científicos e livros sobre energia nuclear. Ele rebate quem defende os reatores, com o o argumento de que o potencial hídrico brasileiro não justifica os altos investimentos em usinas nucleares, cada vez mais caras, por causa dos requisitos de eficiência e, principalmente, segurança. Além do risco da operação, há questões não resolvidas, como o destino do lixo nuclear. De acordo com Goldemberg, considerando-se somente os reatores das usinas, a energia atômica não emite gases do efeito estufa. No entanto, emissões existem quando se analisa toda a cadeia da atividade, desde a extração do urânio pela mineração. Goldemberg acredita que a opção nuclear não deverá expandir-se pelos países em desenvolvimento, por diversos motivos, como o alto custo, e defende prioridade para o investimento em fontes renováveis, a exemplo da solar e eólica. Em sua opinião, a retomada da energia nuclear no rastro do controle climático tende a colocar no esquecimento tragédias como Chernobyl e o acidente como césio-137 em Goiânia. Silêncio interrompido nas últimas semanas, quando o assunto voltou aos jornais com o terremoto que atingiu os reatores no Japão. Para Veiga, que não havia muito tempo destrinchara as nuances da controvérsia nuclear, a notícia caiu como uma bomba uma semana antes do lançamento do livro. Poucos dias depois, quando descansava em uma praia no Sul da Bahia, o autor acessou pela internet as informações sobre os "50 mortos-vivos" -- os homens que arriscavam a vida na tentativa de controlar a usina e evitar o vazamento da radiação em altos níveis para o ambiente. "O pânico não se justifica quando analisamos friamente as estatísticas", alega Veiga. O economista cita relatórios que revelaram um impacto em Chernobyl bastante inferior ao inicialmente alardeado - informações com potencial de fazer ambientalistas mudarem de lado, como aconteceu em diversos casos relatados no livro. A lição do atual acidente na usina japonesa, segundo o autor, não deveria resultar em medidas restritivas ou condenação sumária da energia nuclear. "Seja qual for o ponto de vista, a fragilidade que o episódio expôs, e que muito preocupa, é a falta de governança e transparência", adverte Veiga. Em entrevista há cinco anos, o ex-prefeito de Fukushima, Eisaku Sato, já questionava as dificuldades de acesso a informações junto à Tokyo Eletric Power Company, proprietária da usina acidentada. "O problema se repete no Brasil, onde a política energética, alvo de lobbies, não é participativa e projetos nucleares são mantidos como segredos de Estado", conclui Veiga.
*Jornalista do Valor Econômico
**Artigo publicado em 12/04/2011

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