Ruy Castro*
Em 1939, quando Carmen Miranda foi para os EUA, os americanos achavam que, como toda artista vinda da "América Latina", ela precisava de um retoque na biografia. Daí lhe deram uma família "nobre" -seu pai, o português "seu" Pinto, deixou de ser barbeiro para se tornar um rico exportador de frutas- e inventaram que ela fora interna num colégio de freiras.
Mas o melhor desse retoque era a história de que seu pai, contrário a que a filha fosse artista, só descobriu que Carmen era cantora quando ela foi para Nova York. Ou seja, nos dez anos anteriores, em que Carmen foi a mulher mais importante do Brasil, vendendo discos aos milhares, estrelando programas de rádio, filmes musicais e capas de revistas, e saindo todas as noites para cantar no Cassino da Urca, "seu" Pinto nunca percebeu que a filha que morava com ele era a estrelíssima Carmen Miranda!
Com outros atores, a história se repete no escândalo dos grampos na imprensa britânica. Executivos e editores de Rupert Murdoch, alguns com décadas de intimidade com o tubarão, armam uma rede de escuta que vasculha a família real, políticos importantes, heróis de guerra e celebridades internacionais, com a cumplicidade da Scotland Yard, o silêncio de primeiros-ministros e possíveis queimas de arquivo -e Murdoch, consternado, pede desculpas. Ele não sabia.
Da mesma forma, o dominó macabro em diversos departamentos do nosso -deles- Ministério dos Transportes, com a queda do ministro e de seus diretores, a descoberta de verbas fluindo para empresas de seus filhos, irmãos e mulheres, e a lama escorrendo por prefeituras e governos de Estados. Com tanta gente fazendo lambança, só os altos escalões pareciam não saber.
Na verdade, "seu" Pinto sabia muito bem que era pai de Carmen Miranda, e se orgulhava dela. Quem sabe, sabe.
* Escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário