Danuza Leão*
Se você mora no Rio, costuma ler os cadernos de finanças e tem um dinheirinho aplicado, deve estar pensando em qual a solução mais prática: se cortar os pulsos ou atear fogo às vestes. Uma sugestão: vista um short, ponha um tênis e, diante de tanta falta de futuro, vá dar uma voltinha na praia.
A cidade anda linda; nos últimos dias o ar tem estado puro, o céu azul, a temperatura perfeita, o mar em tons de azul e verde escuro, diferentes a cada dia, numa combinação de tons que nenhum pintor conseguiria fazer nem parecido. Ah, Deus tem muito bom gosto e estava particularmente inspirado quando criou o Rio.
Olhe as pessoas; elas estão andando ou correndo, bonitas, saudáveis, queimadas de sol. Mas e a crise, e as Bolsas? Esqueça; tente, pelo menos por umas horas.
Segundo os que entendem, os pobres estão mal, os ricos péssimos, e a situação pode piorar; é preciso começar a sofrer urgentemente.
Já que os economistas sabem tanto, poderiam nos dar alguma orientação; afinal, devemos sair comprando ou, ao contrário, não comprar nada? Mas não: eles se limitam a nos prevenir, para que se fique com os nervos à flor da pele, sem conseguir sorrir uma vez que seja, durante o dia. É preciso que se fique sério, sombrio, sisudo, para mostrar que participamos das desgraças que não vão poupar ninguém.
Enquanto isso, um monte de gente continua fazendo alongamento, andando e correndo, mas, segundo a cartilha da crise, estão fugindo da realidade. Tudo vale se o resultado for péssimo, e você começa a acreditar que trata-se de um bando de neuróticos alienados. Não é isso: eles estão apenas respirando, enquanto podem.
Aí você passa por um quiosque e vê um homem não tão jovem, mas também não um aposentado. Ele está sentado, sozinho, sem camisa, tomando sol, e o mais grave: de olhos fechados.
Vamos refletir: é verdade que em situações do mais profundo estresse algumas pessoas são capazes de delírios, tipo conversar e sorrir, até de fazer planos para uma futura viagem a Paris.
Ah, de que não são capazes as pessoas para fugir da realidade e se baratinar, sonhar com coisas que nunca vão acontecer.
Mas o homem que está tomando sol de olhos fechados é diferente; pense nos séculos que você passou na praia, quando era uma adolescente, antes dos 25.
Nesse tempo você fazia como ele, pois não tinha nenhum problema. Mas depois, quando eles foram chegando, bem discretamente -dava para fechar os olhos e ficar tomando sol? Claro que não.
Quem tiver que ir ao banco já fica impedido de pensar em qualquer coisa agradável, e ver alguém instalado num quiosque, bebendo um coco gelado no canudinho, sentindo o prazer do sol esquentando a pele, não é grave: é gravíssimo.
Mas isso acontece na praia inteira, do Leme ao Recreio. Não é preciso conhecer filosofia para saber que essas pessoas são, ou estão, felizes, mesmo com a crise. Ou serão apenas irresponsáveis?
Olhe bem para eles: nem uma só ruga na testa, nem um só traço de ansiedade no rosto, e quando encontram um amigo não falam sobre as Bolsas -falam de mulher. Detalhe: isso, às 10h da manhã de uma quinta-feira.
Quando passar por um desses homens felizes, dê um oi, assim, pra nada. Ele vai responder com outro oi, você vai continuar andando.
Andando e pensando: a Bolsa ou a vida? Ora, a vida, claro.
* Articulista do jornal Folha de São Paulo
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