Álvaro Pereira Junior*
Ah, Scarlett, mulher sinestesia, seu nome tem o som da cor dos seus lábios: Scarlett, scarlet, escarlate.
Scarlett, mais que mulher, você é um colosso transcontinental. Nesta semana, por causa de míseras duas fotos, dominou o planeta, parou a internet. Seriam imagens suas nua, feitas por você mesma, roubadas, sabe-se lá como, de um celular.
Quando escrevo, não se sabe se as fotografias são reais. Mas entendo o furor que provocaram: elas entregam, de fato, o que você promete.
Sei que você já viu as imagens, verdadeiras ou não, mas deixe que eu as descreva para quem chegou agora.
Uma delas, tirada em frente a um espelho, a mostra por trás, nua, suas formas amplas, assertivas, de voluptuosidade renascentista, digna de Botticelli, perfeição inatingível.
A segunda é ainda mais provocante: deitada, fotografando a si própria com o seio direito à mostra, a baixa definição da câmera contribuindo para uma espécie de efeito "flou", lábios de negra sobre a pele branca, delicada como papel de arroz.
Ah, Scarlett, por que você provoca tanta sensação? Você tem só 1,62 m, voz levemente esganiçada. Andou meio gorducha e triste na mão do Sean Penn, mas foi só aparecer seca e sarada numa festa para provocar uma onda planetária de protestos masculinos. Fuja da academia, Scarlett. Nós amamos seus excessos. Você tem só 26 anos, uma vida inteira para se cuidar.
Por causa de você, Scarlett, dessa sua mistura de sangue polaco e dinamarquês (e a boca, de onde veio?), assisti ao medonho "Homem de Ferro 2" duas vezes, só para te ver de Viúva Negra. Por sua culpa, estou a ponto de quebrar um jejum autoimposto de Woody Allen, que não me desce, e finalmente encarar "Vicky Cristina Barcelona".
E foi por sua causa, em um longo e tedioso voo diurno, na semana passada, que vi pela ducentésima vez "Lost in Translation", que me recuso a chamar pelo título brasileiro, ridículo, "Encontros e Desencontros".
Ah, Scarlett, todo homem com mais de 40 anos e algum sangue correndo nas veias se identifica com Bob Harris, o personagem de Bill Murray, ator americano ultrapassado, que viaja ao Japão, onde ainda é ídolo, para faturar algum em um comercial de uísque.
E que, no bar do hotel, transtornado pelo fuso horário e pelo tédio, encontra você, na pele de Charlotte, recém-formada em filosofia, sem rumo, escanteada pelo marido, fotógrafo indie-yuppie assexuado, que só tem tempo para si próprio e para as bandas furrecas com as quais trabalha.
Enquanto escrevo, Scarlett, ouço no YouTube você desafinar no palco com o Jesus and Mary Chain no festival Coachella de 2007. Impossivelmente linda, à esquerda do vocalista Jim Reid. Microvestido floral de verão, chapeuzinho para proteger do sol inclemente do deserto e todo o charme do mundo.
Você não precisava fazer quase nada, só dizer "honey" ao finalzinho do refrão. Mas, desculpe, não ficou muito legal. Seu timbre não combinou com a música. Mas quem se importa? A beleza da canção é maior do que os detalhes técnicos. De novo, deixe explicar aos recém-chegados: a canção era "Just Like Honey".
A mesma música da cena final, a melhor de "Lost in Translation", na qual o tiozinho Bob Harris, um tiozinho como eu, devastado por perder Charlotte, ruma de táxi ao aeroporto, vasculhando cada centímetro da Tóquio que está deixando para trás.
De repente, avista uma loirinha como você, de costas, casaco preto, sapatos vermelhos de salto baixo.
Manda parar o carro, desce, vence a multidão de uma rua estreita da megacidade. Chama a jovem. Ela se vira e, contra toda a probabilidade, entre tanta gente, é mesmo Charlotte.
Eles se beijam pela primeira vez, mais carinho que erotismo.
Bob sussurra algo para Charlotte. Os dois se despedem, agora para sempre. Começa a tocar "Just Like Honey" e a cena fica ainda mais bonita.
Bob volta ao carro. Ofegante, um pouco fora de prumo, mas aliviado. E Charlotte (você, Scarlett) segue em sua caminhada. Quase ao sair de quadro, esboça um sorriso. Feliz, confiante, esperança pura, Tóquio a seus pés.
Ainda novato por aqui, comecei a coluna achando que não conseguiria escrever 740 palavras sobre você, Scarlett Johansson. Acabou faltando espaço. Ah, Scarlett.
* Jornalista e colunista da Folha de São Paulo
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