Contardo Calligaris*
O termo "bipolar" se tornou corriqueiro na boca dos adolescentes. Não é que eles citem diagnósticos psiquiátricos, no estilo "sabe, minha mãe toma remédio porque os médicos dizem que ela é bipolar".
Nada disso; para eles, o termo é a descrição genérica de um estado de espírito dominado por altos e baixos radicais. Além disso, muitos adolescentes acham que, hoje, ser bipolar é a regra.
Não acho ruim que termos clínicos se vulgarizem e entrem na linguagem comum. Só me preocupa o fato de que, às vezes, psiquiatras e psicólogos adotam essa vulgarização, confundindo a tristeza banal com o transtorno depressivo ou, então, variações do humor banais com o transtorno bipolar.
Com isso, claro, a indústria farmacêutica faz a festa, pois vende antidepressivos a pessoas que estão apenas tristonhas ou morosas e estabilizadores do humor a pessoas que são apenas mais alegres pela manhã do que à noite. Seja como for, talvez os adolescentes tenham razão. Talvez a bipolaridade, além de um transtorno para alguns, seja hoje um traço da personalidade de todos nós. Por quê? Um pequeno desvio para responder.
Existe um grupo de trabalho encarregado de revisar o "Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais", cuja quinta versão ("DSM V") será publicada em 2013. Esse grupo manifesta periodicamente suas decisões e seus pensamentos no site http://www.dsm5.org/. Foi assim que em 2010, se não me engano, soubemos que o "transtorno da personalidade narcisista" sumiria da próxima versão do "Manual". Tanto mais bizarro que, aos olhos de muitos (assim como aos meus), a personalidade narcisista, longe de estar extinta, é a que melhor resume a subjetividade contemporânea. Antes de defini-la, vamos ver quais foram as reações.
A más línguas observaram que sempre somem os transtornos contra os quais a indústria farmacêutica não tem remédios para vender (não existe pílula para transtorno narcisista, enquanto existem várias para bipolaridade e depressão).
Outros, considerando que o transtorno da personalidade narcisista coincidiria com o espírito de nossa época, acharam normal que ele não fosse mais considerado como uma patologia.
Enfim, muitos psicanalistas (sobretudo alunos de Heinz Kohut e de Otto Kernberg, grandes intérpretes do narcisismo) protestaram, e eis que, numa revisão de 21 de junho passado, o transtorno narcisista reapareceu no "DSM" (http://migre.me/5JNlu).
Em síntese, o narcisista não é, como sugere a vulgata do mito de Narciso, alguém apaixonado por si mesmo ou por sua imagem no espelho. Ao contrário, o problema do narcisista é que ele depende totalmente dos outros para se definir e para decidir seu próprio valor: ele se orienta na vida só pela esperança de encontrar a aprovação do mundo.
Infelizmente, nunca sabemos por certo o que os outros enxergam em nós. Às vezes, o narcisista se exalta com visões grandiosas de si, ideias infladas do amor e da apreciação dos outros por ele; outras vezes, ao contrário, ele despenca no desamparo, convencido de que ninguém o ama ou aprecia.
Ora, a modernidade é isso: um mundo sem castas fixas, onde cada um pode subir ou descer na vida justamente porque seu lugar no mundo depende da consideração (variável e sempre um pouco enigmática) que os outros têm por ele.
Ou seja, a modernidade nos predispõe a um transtorno narcisista permanente e, no coração dessa personalidade narcisista (sina de nosso tempo), há uma oscilação bipolar.
O adolescente tem razão: a bipolaridade talvez seja especialmente manifesta nos pais. Como disse, na sociedade moderna, só somos o que os outros reconhecem que sejamos, e os pais não são uma exceção a essa regra.
Nem lei simbólica, nem legado divino, nem provas genéticas bastam para me transformar em pai ou mãe de meus filhos. Hoje, para eu ser pai ou mãe, é preciso que os filhos me reconheçam como tal, ou seja, sem o amor e o respeito de meus filhos, eu não serei nem pai nem mãe.
Consequência: todo pai moderno é condenado à bipolaridade, entre a felicidade de ser genitor e uma consternadora queda do alto dessa nuvem. Se ele tenta educar, corre o risco de não ser mais amado e, portanto, de não ser mais pai.
Se desiste de educar para ser amado, corre o risco de não ser mais respeitado -ou seja, novamente, de não ser mais pai. É isso: os pais são bipolares.
*Psicanalista e escritor
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