Clovis Rossi*
A esquerda passou a maior parte do século passado prevendo a iminente "crise final do capitalismo". Aí veio a "crise final do comunismo" e o alerta, naturalmente, perdeu qualquer sentido.
Eis que ele ressurge agora, no bojo da crise econômica, exposto no mais insuspeito dos lugares -o "Financial Times", bíblia do capitalismo- e pela voz de alguém igualmente insuspeito, pela posição que ocupa. Trata-se de George Magnus, conselheiro econômico-sênior do UBS, o banco suíço que é também ícone do capitalismo.
"O modelo econômico que conduziu o longo 'boom' dos anos 80 a 2008 quebrou. A crise financeira de 2008/09 legou uma crise do capitalismo única em uma geração, cujas pegadas podem ser encontradas em disseminados desafios à ordem política, e não apenas nas economias desenvolvidas", escreveu Magnus.
O texto explica que se trata de uma crise do capitalismo "porque nosso modelo econômico e a definição de políticas não podem produzir crescimento sustentável, adequada formação de renda ou criação de emprego". São, como é óbvio, as três coisas para as quais serve o capitalismo.
Magnus põe números indiscutíveis para calçar sua ousada afirmação. Exemplo: o nível de emprego nos EUA não é maior hoje do que era em 2004. O grave é que, mesmo diante de evidências tão contundentes, os líderes políticos insistem em medidas que inibem crescimento sustentável, adequada formação de renda ou criação de emprego, os tais três pilares que justificam o capitalismo. Basta lembrar a Grécia, que acaba de dar mais uma machadada nesses pilares, ao inventar uma taxa extra no seu IPTU, que pode chegar a € 10 por metro quadrado para imóveis maiores. É escandalosamente óbvio que, com esse novo aperto, sobrará menos dinheiro para consumir/investir, o que só fará agravar a recessão, já estimulada pelo brutal ajuste imposto para que a Grécia receba ajuda europeia e escape do inescapável, o calote de sua dívida. A contração foi de 8,1% no primeiro trimestre e de 7,3% no segundo. Para o total do ano, a previsão agora é de menos 5,3% contra os 3,8% antecipados faz apenas quatro meses.
Alguma surpresa em que haja na Grécia, como escreveu Magnus, "disseminados desafios à ordem política"? Surpresa, na verdade, só com a tardia descoberta do ministro alemão de Economia, Philipp Rösler, de que, "para estabilizar o euro, não pode mais haver tabus. O que deve incluir, se necessário, uma quebra bem organizada da Grécia", escreveu para o "Die Welt".
Em março, o economista-chefe do Deutsche Bank, em conversa informal com um grupo de jornalistas estrangeiros, inclusive este repórter, já dizia que a maneira de enfrentar a crise grega era um corte - que imaginava então de uns 30% - na dívida pública grega.
É óbvio que calote, parcial ou total, organizado ou desorganizado, não vai resolver por si só nem a crise grega nem a crise mais abrangente do capitalismo. Mas, sem ele, tudo indica que esse inoxidável Freddy Krueger econômico que é a instabilidade nos mercados continuará assombrando o mundo e tornando o que era tabu em pauta obrigatória também para outros países.
* Jornalista e articulista da Folha de São Paulo
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