Desde seu provocativo ensaio Is Google Making Us Stupid?, Nicholas Carr vem discutindo a forma como a Internet e sua ubiquidade vêm transformando não só a maneira como vemos o mundo, mas também nossos relacionamentos e, em última instância, nossos cérebros.
Em The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (W. W. Norton & Co., 2010), Carr contextualiza o assunto através das várias revoluções ocorridas desde que começamos a viver em comunidade – como os mapas e o relógio – concentrando-se, ainda, nas mudanças relacionadas com o armazenamento e a transmissão do conhecimento.
Antes da escrita, conta o autor, todo o conhecimento acumulado por uma geração era transmitido à seguinte de forma oral. A quantidade de informação limitava-se, portanto, à memória das pessoas, ajudada por rimas e canções, mas atrapalhada por versões e interpretações.
Como ainda representava a derivação de uma tradição oral, a leitura era feita em voz alta. Parte disso era para tentar decifrar o que o emaranhado de letras significava, já que não havia espaços entre as palavras, tampouco regras gramaticais ou de sintaxe definidas.
Somente quando a escrita passou a ser padronizada e os espaços foram introduzidos, o leitor pôde dedicar-se mais ao próprio significado do texto do que ao ato de entendê-lo. A leitura passava a ser, neste momento, um exercício de introspecção e reflexão, criando uma ética toda própria, abrindo caminho e disponibilizando as ferramentas para as revoluções culturais seguintes.
As inovações posteriores trataram de difundir e popularizar a escrita e a leitura. Tanto a prensa de tipos móveis quanto o barateamento do papel impulsionaram o mercado editorial, multiplicando o volume dos impressos. Quantidade e qualidade estabeleceram indústrias seculares e resistiram à chegada do gramofone, do cinema, do rádio e da televisão.
Mas de acordo com Nicholas Carr, no entanto, o livro está prestes a sucumbir à Internet. Ainda que esta afirmação pareça lugar-comum a cada lançamento de e-reader, os motivos são diferentes e preocupantes. Para ele, a dinâmica da Rede vem alterando os mais básicos processos cognitivos envolvidos na leitura, inclusive em nível biomolecular.
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Antes de prosseguir, Carr precisou destruir um dos mais arraigados – e errados – mitos sobre o cérebro humano: a falácia de que ele se define inteiramente nos primeiros anos de vida. A maior parte da nossa estrutura neuronal constitui-se nesta fase, de fato, mas estudos recentes sugerem que novas conexões podem ser formadas, desde que haja estímulos para isto – do mesmo modo que estruturas ociosas também são desfeitas.
Pacientes que tiveram áreas do cérebro comprometidas por traumas ou tumores conseguiram que outras regiões saudáveis assumissem suas atividades, reforçando a tese da neuroplasticidade. Mas assim como esta flexibilidade ameniza, em certo grau, o determinismo genético, as habilidades abandonadas desde cedo podem ser irremediavelmente perdidas, conforme suas estruturas são redirecionadas.
Ainda que a desatenção seja o estado natural do nosso cérebro, nos últimos quinhentos anos conseguimos nos reeducar para realizar atividades intelectuais mais complexas.Tais alterações não ocorrem no âmbito genético, mas através da educação e convivência, moldando o cérebro de acordo com as necessidades específicas de cada indivíduo, cada contexto.
As últimas décadas, porém, parecem ter iniciado a reversão deste processo. Quando uma página de Internet nos bombardeia com banners, pop-ups, cores, sons, vídeos e outras distrações – além dos onipresentes emails, mensagens instantâneas, SMS, BlackBerries e iPhones – está minando nossa capacidade de concentração. Ler um texto com hyperlinks implica perguntar-se constantemente se devemos clicar ou não – e o mesmo vale para banners, pop-ups e que tais. Percorrer a tela com um mouse demanda uma atividade motora mais complexa do que virar páginas.
Navegar na Internet requer, portanto, uma série de atividades cognitivas que concorrem com a interpretação e processamento daquilo que se lê. Isto consome, por conseguinte, boa parte da nossa memória de trabalho, dificultando sua posterior transformação em memória de longo-prazo.
A acelerada dinâmica da Internet promove, paulatinamente, o estilhaçamento da nossa atenção, comprometendo-a não apenas enquanto estamos online. A outrora agradável leitura de um livro tornou-se, para muitos, um impossível exercício de concentração. Quando perde-se o foco, vai-se também a capacidade de raciocinar de forma coerente e criativa. A festejada plasticidade neuronal representa, então, uma via de duas mãos, pois os maus hábitos podem ser incorporados tão facilmente quanto os bons.
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Em seu clássico Understanding Media: The Extensions of Man Marshall McLuhan já alertava que este tipo de problema poderia acontecer, na medida em que o foco da mensagem migra para o meio em que ela transita. Nos idos de 1964 McLuhan escreveu que nossas ações e pensamentos sofrem mais influência do meio de comunicação do que do próprio conteúdo, no longo prazo. Para ele, “[Os] efeitos da tecnologia não ocorrem no nível das opiniões e conceitos, mas na alteração de padrões de percepção, de forma contumaz e sem resistência”.
Esta nova relação com o texto escrito parece não chamar a atenção porque as mudanças foram sutis e graduais. Além disso, procuramos prestar atenção apenas no que lemos – e não na forma como lemos. Mas as publicações de hoje têm mais fotos e menos textos.
Claro que a evolução da tecnologia traz também enormes benefícios, prossegue Carr, como mais acesso a um número maior de obras. Outra vantagem é que com a possibilidade de constantemente revisar e editar sua obra, o autor não tem mais a pressão de escrever um texto perfeito logo na primeira tentativa.
Nada disso vale, contudo, se ninguém quiser ler. Se ninguém tiver paciência para chegar até o final de um texto que precise de mais de dois Page Downs. Ou se o autor – que também é leitor – não conseguir sair da superficialidade em que todos parecem estar se afogando.
*Rodolfo Araújo é Mestre em Administração
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