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quinta-feira, 2 de maio de 2013

País apresenta indícios de deterioração institucional


Marcos de Barros Lisboa

O desempenho dos países após a crise de 2008 tem sido desigual na América Latina. Brasil, Argentina e Venezuela têm decepcionado quando comparados a Chile, Peru, Colômbia e México, apresentando menor crescimento econômico e maior inflação. No nosso caso, o governo tem reagido com impressionante ativismo às dificuldades recentes. Medidas de estímulo e concessão de privilégios à roldão refletem a preocupação com a superação das restrições existentes e a retomada do crescimento. Por que, entretanto, as medidas têm sido pouco efetivas e o crescimento tão decepcionante?
Este artigo discute a evolução da nossa economia na última década e os impactos das recentes medidas de política econômica. Na sequência, são esboçadas sugestões para uma agenda de produtividade e o aperfeiçoamento da gestão da política pública.
O maior crescimento econômico no governo Lula em relação ao governo FHC deveu-se, na sua maior parte, ao aumento da produtividade; aumento este que, infelizmente, tem sido revertido nos últimos anos. Diversos trabalhos acadêmicos têm mostrado que as reformas institucionais realizadas entre 1994 e 2005 tiveram impacto relevante no aumento da produtividade em alguns setores, como telecomunicações, a intermediação financeira e setores beneficiados por estímulos à formalização e reformas como a lei de falências. Além disso, a melhora nas técnicas de produção permitiram ganhos de produtividade em atividades como o agronegócio.
O impacto de reformas institucionais sobre a produtividade pode surpreender, porém a literatura recente sobre crescimento econômico tem repetidamente verificado a sua relevância para explicar a diferença de renda entre os países. Indicadores do funcionamento das instituições, como a agilidade do judiciário, a eficiência na gestão dos setores regulados, incluindo setores de infraestrutura e mercado de trabalho, o desenvolvimento dos mercados de crédito, capital e o ambiente de negócios estão positivamente correlacionados com as mais bem-sucedidas experiências de desenvolvimento econômico.
A privatização das telecomunicações levou à expansão do acesso à telefonia e à queda dos custos para os consumidores. A introdução do consignado reduziu o risco de inadimplência, levando a menores taxas de juros e à expansão dos volumes emprestados. A tecnologia de transformar depósitos em empréstimos se tornou mais eficiente, permitindo o aumento do consumo e o crescimento de diversos setores, assim como maior empreendedorismo. A nova lei de falências levou à redução do número de empresas que entram em dificuldades para o mesmo nível de atividade econômica, provavelmente em decorrência dos procedimentos que foram introduzidos e que levam a um comportamento empresarial mais prudente e preventivo. Além disso, há evidência de que nas regiões em que a lei tem sido aplicada judicialmente com maior eficiência aumentaram o crédito disponível, o investimento e a melhora na tecnologia adotada.
Há frustração com as diversas políticas adotadas recentemente que não aumentam a produtividade
Existem indícios, porém, de que nossa economia simultaneamente apresentou piora institucional em diversas áreas. Os processos para liberação e monitoramento de investimentos em grandes obras físicas têm sido crescentemente mais complexos, como no caso de produção de energia e logística. A falta de clareza dos processos de autorização e do mandato das agências reguladoras, a sobreposição de órgãos de controle e a incerteza sobre o processo de construção, decorrente de possíveis reivindicações adicionais uma vez iniciadas as obras, significam maiores custos de produção e menor expansão da oferta. As dificuldades e custos crescentes dos investimentos têm impacto sobre toda a estrutura produtiva, sobretudo as mais dependentes de atividades físicas, como a indústria de transformação, levando a menor crescimento da produtividade.
Além disso, a melhora dos termos de troca e a valorização cambial também tiveram efeitos divergentes sobre a estrutura produtiva, fragilizando parte da indústria, mas não os serviços. Para além dos efeitos setoriais, no entanto, resta a evidência dos ganhos de produtividade total no governo Lula e a sua piora recente, com o consequente menor crescimento econômico.
Produtividade significa aumentar a capacidade de produção com os mesmos recursos produtivos, e não pode ser confundida com reduções forçadas dos preços de alguns bens e serviços que apenas implicam transferências de recursos entre setores, sem aumento da produtividade total da economia. O mesmo ocorre com medidas de proteção à competição externa a alguns setores, que levam ao aumento dos custos dos seus compradores, outros setores ou consumidores. Proteção de uns à custa dos demais.
Por essa razão, a frustração com as diversas políticas públicas adotadas recentemente que não aumentam a produtividade e apenas transferem renda entre os setores. Além disso, medidas como a desoneração da folha em contrapartida ao aumento de impostos sobre o faturamento pioram a eficiência econômica e tornam mais complexo o sistema tributário.
Uma agenda para ganhos de produtividade passa pela maior eficiência dos processos para aprovação, controle e regulação dos investimentos. Melhor definição do mandato das agências reguladoras e das contrapartidas necessárias, assim como das atribuições dos órgãos de controle. Maior eficiência significaria menores custos e incerteza, inclusive jurídica, para esses investimentos, permitindo menores custos de produção e expansão da oferta. No caso da infraestrutura, esse ganho de produtividade implicaria menores custos e maior eficiência para o restante das atividades produtivas, estimulando o seu crescimento.
Uma segunda agenda é a melhora da eficiência e gestão da política pública. Nossa carga tributária é maior do que a observada em países com grau equivalente de desenvolvimento, sem que, no entanto, tenhamos indicadores equivalentes da boa política pública, como acesso à educação ou a serviços de saúde de qualidade. A carga elevada decorre da existência de diversos programas de transferência de renda não relacionados às políticas sociais de investimento, como educação, ou à proteção aos grupos de menor renda, como o bolsa-família.
Agenda passa pela maior eficiência dos processos de aprovação, controle e regulação dos investimentos
Existem diversos programas de concessões setoriais de privilégios, como empréstimos subsidiados, desonerações seletivas ou transferências discricionárias de recursos. Há, porém, pouca avaliação, gestão e controle democrático. Dos diversos empréstimos subsidiados do BNDES, por exemplo, quais eram as metas ao serem concedidos e quais são os resultados obtidos? Quanto custam para a sociedade as diversas proteções tarifárias e não tarifárias e quais os seus resultados? Qual o custo e resultado das políticas de produção local de bens antes produzidos no exterior? Sem indicadores de resultado não há gestão, não há a identificação dos projetos bem-sucedidos que poderiam ser fortalecidos, nem a interrupção dos mal-sucedidos.
Interromper programas que conferem privilégios geram reações por parte dos beneficiados. Seu custo, por outro lado, é diluído para toda a sociedade, que não é significativamente afetada por cada programa específico, ainda que pague um elevado preço pelo conjunto da obra. Democracia requer transparência e debate estruturado sobre a política pública e as opções para o uso dos recursos da sociedade.
Pode-se, por exemplo, constituir uma agência independente que teria como missão registrar os objetivos e custos de cada política pública. Anualmente, seriam divulgados os custos e resultados frente às metas assumidas o que permitiria à sociedade, por meio dos instrumentos democráticos, escolher os programas a serem incentivados e os que deveriam ser interrompidos. A boa gestão subordinada à escolha que deveria ser de todos nós e não feita pelo acesso de alguns poucos ao príncipe de plantão.
Não precisamos seguir a variação de Marx e repetir a história, desta vez como farsa. Na sequência da grave crise dos anos 1960, com descontrole fiscal, elevada taxa de inflação e baixo crescimento, foram adotadas medidas de austeridade e reformas institucionais liberalizantes. Algumas dessas reformas foram rapidamente revertidas, como a independência do Banco Central. Entretanto, a evidência disponível indica que as reformas que foram preservadas contribuíram fortemente para o posterior crescimento que se iniciou no do fim dos anos 1960.
A reação à grave crise externa dos anos 1970 foi na direção inversa. Ao invés do ajuste, o governo optou por uma série de estímulos ao investimento com a concessão de privilégios e benefícios para setores escolhidos, empréstimos subsidiados, recursos públicos e proteção para o desenvolvimento de setores econômicos e grupos privados.
O desequilíbrio fiscal, o aumento da inflação e a restrição externa levaram a diversas medidas discricionárias nos dois últimos governos militares com o objetivo de estimular o crescimento por meio de soluções heterodoxas de política econômica, evitando enfrentar com serenidade as dificuldades e adotar as medidas necessárias de austeridade e de aperfeiçoamento dos fundamentos econômicos. A política econômica à época foi caracterizada por intervenções generalizadas nos diversos mercados, a tentativa de impor o ajuste por meio do controle de preços, a começar pela taxa de câmbio, e medidas de estímulo ao investimento privado com a concessão de benefícios e privilégios. O resultado foi o inverso do esperado. Descontrole das contas públicas, aceleração da inflação e a expansão de distorções microeconômicas que reduziram a produtividade e o crescimento sustentável. A consequência foi uma década perdida.
Quanto custam para a sociedade as diversas proteções tarifárias e não tarifárias e quais os seus resultados?
Apenas com Fernando Henrique Cardoso as dificuldades foram parcialmente superadas. Equilíbrio das contas públicas, estabilização dos preços, reformas liberais e soluções institucionais, desta vez, finalmente, em um regime democrático. Além disso, progressivamente as distorções introduzidas no passado começaram a ser superadas.
A agenda de melhorias institucionais foi interrompida em meados da década passada, restando ainda muitas distorções microeconômicas introduzidas nas décadas anteriores à estabilização. Existem no Brasil uma infinidade de privilégios, distorções e mecanismos de transferências de renda para grupos específicos. Vários dos privilégios e benefícios, inclusive, nem mesmo passam pelo orçamento público. Um primeiro exemplo são as proteções não tarifárias à concorrência externa baseadas em restrições técnicas. Um segundo, as operações de crédito direcionadas para setores específicos, com taxas de juros abaixo das taxas de mercado. No primeiro caso, o custo das proteções é pago pelos compradores dos produtos protegidos, famílias ou outros setores produtivos; no segundo, pelos tomadores de crédito das operações livres.
O custo dos privilégios, benefícios e proteções é diluído por toda a sociedade, sem transparência e discussão integrada sobre seu impacto sobre a distribuição de renda, a evolução da produtividade e o crescimento econômico. Essa é a consequência das medidas oportunistas, que são propostas como soluções fáceis para problemas complexos. Porém, uma vez introduzidas, as distorções criam grupos de interesse, e se revelam difíceis de serem revertidas. Benefícios privados à custa da eficiência econômica, de maiores recursos para a política social e do crescimento para a maioria.
A opção por soluções institucionais e políticas horizontais, que não escolham privilegiados, adotada pelo governo FHC e pelo primeiro Lula, tem sido sistematicamente revertida desde meados da década passada, sobretudo após 2008. A política oportunista prefere defender que medidas de austeridade não são necessárias, acreditar que a concessão de privilégios aos próximos do governo estimula o espírito empreendedor bem como o crescimento econômico e escolher vilões para responsabilizar pelas eventuais frustrações. As soluções oportunistas podem postergar o enfrentamento das dificuldades existentes, porém adicionam novos e crescentes problemas e, progressivamente, nos condenam de volta à mediocridade.
Referências
Acemoglu, D. e J. Robinson (2012): Why Nations Fail; Crown.
Lisboa, M. B. e S. A. Pessoa (2013): "Uma História de Dois Países."; Insper.
Lisboa, M. B. e Z. A. Latif (2013): "Democracy and Growth in Brazil"; Insper.
Veloso, F.; A. Villela e F. Giambiabi (2008): "Determinantes do "milagre" econômico brasileiro (1968-1973): uma análise empírica," Revista Brasileira de Economia; 62(2).
Marcos de Barros Lisboa é vice-presidente do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa

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