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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

"O dircurso de que o governo extorque é conveniente para empresários"

Marcos de Moura e Souza | Valor /De Belo Horizonte


Leo Pinheiro/Valor
Sardenberg, da Fundação Dom Cabral: "CEOs do Reino Unido podem ser punidos com prisão por corrupção numa filial"
Professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral, uma das escolas de negócios mais importantes do país, Dalton Sardenberg diz ver sinais de mudança do mundo empresarial brasileiro quando o assunto é corrupção entre empresas privadas e órgãos de governo. É, no entanto, uma mudança lenta que esbarra em vícios de empresas em obter vantagens indevidas por meio de subornos, diz ele.
Doutor em governança corporativa pela universidade britânica de Birmingham e professor dessa área na Dom Cabral, Sardenberg não acredita que já exista um disseminado interesse entre empresários em mudar, de fato, as regras do jogo dos esquema indevidos. "O jogo é conveniente a eles", diz.
Sardenberg não quis comentar os casos das construtoras apontadas como participantes de um bilionário esquema de desvios da Petrobras, investigados pela operação Lava-Jato. Mas rechaça a desculpa das empresas de que se pagam propina é porque foram vítimas de extorsão.
O especialista vê com preocupação a descrença de empresários de que a Lei Anticorrupção realmente vá pegar. A lei, em vigor desde janeiro deste ano, pune empresas que corrompam a administração pública com multas que podem chegar a 20% do faturamento bruto da companhia, além de proibição de participarem de licitações e de contratos com o poder público. Em uma pesquisa que realizou com 286 empresas, a ser concluída neste mês, o professor verificou que a credibilidade da nova lei é menor entre as companhias que têm mais relação com o setor público. "Isso significa que quem mais conhece o governo, mais desconfia de que a lei será de fato aplicada", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como o senhor tem conduzido as discussões em sala de aula sobre corrupção entre empresas privadas e órgãos públicos?
Dalton Sardenberg: Esse é um assunto muito sensível para as empresas e a gente vem trazendo cada vez de maneira mais recorrente em sala de aula, com alunos de MBA, com executivos. Não é um tema agradável para ninguém. Agora, eu entendo que nós temos de, primeiro, discutir isso como sociedade. Sendo muito franco, creio pouco na perspectiva de as empresas serem grandes agentes de transformação por uma competição limpa. Porque, de fato, não é conveniente.
Valor: Por quê?
Sardenberg: Apesar de eu perceber que a nova geração venha com uma boa intenção, inegavelmente existem vícios do jogo da forma como ele está sendo jogado. Então, mesmo essa nova geração precisa ser motivada, instigada a não jogar mais o jogo antigo, que não vale mais a pena. O que se vê neste momento é que a exposição pública dos corruptores causa um dano pessoal mas, ao mesmo tempo, um reforço da ideia da ética da responsabilização. As pessoas passam a se perguntar: "Será que vale mesmo a pena, até que ponto esse passo que eu estou dando é o único caminho mesmo que eu tenho?"
Valor: Como o senhor vê a afirmação de que se as empresas com contratos com governos pagam propina é porque elas foram, de alguma forma, alvo de extorsão por parte de um funcionário ou dirigente de órgão público?
Sardenberg: Esse discurso, de que o governo extorque a empresa, de que se a empresa não entra no jogo está fora [dos contratos públicos] é extremamente conveniente. Eu entendo que em vários momentos isso é verdade. Há, sim, e eu diria que isso é até mais complicado para as médias empresas, porque elas têm poucos canais de denúncia da extorsão. Mas esse comportamento das empresas não pode ser aceitável. As empresas são muito competentes para achar suas alternativas. Todos empresários têm diversos desafios a vencer e eles os vencem. A corrupção é mais um desafio. Conheço empresários que dizem que no setor em que atuam a relação com o setor público é marcada pelo pagamento de propina, e que eles não estão dispostos a fazer isso e, portanto, não trabalham para governo. Se houvesse realmente um conjunto de empresários que dissesse não, a fonte secaria. [O economista e sociólogo] Max Weber [1864-1920] dizia que existem duas possíveis éticas: a ética da convicção e a ética da responsabilização. A primeira se baseia em princípios, valores, crenças. Faço ou não algo porque acredito que é ou não o correto. A segunda é quando se coloca limites, quando falha a ética da convicção, a pessoa se questiona qual é o risco pessoal e o risco para a empresa. Ainda acredito muito na ética da convicção e confesso que me animo cada vez mais pelo fato de ver executivos e empresários com uma cabeça um pouco diferente.
Valor: Há um dilema entre a ética nos negócios e a sobrevivência dos negócios?
Sardenberg: Tem um dilema, claro. Temos de reconhecer isso. Muitas vezes manter a ética da convicção significa para o empresário a diminuição das margens de ganho, ter de buscar alternativas para novos negócios. Mas os empresários são competentes, são corajosos e têm toda a capacidade de achar novas maneiras de fazer negócio. Eu entendo que há extorsão. Mas, na verdade, eles [parte do empresariado] estão dispostos a serem extorquidos. No fundo é isso. O jogo é conveniente a eles, eles são beneficiados por esse jogo. Porque nessas ocasiões não vale mais a competência em relação ao concorrente, vale mais a capacidade de negociar com o governo, vale mais a capacidade de se sentar com os concorrentes e dizer: "Cada um leva uma parte do bolo e está todo mundo feliz".
"A credibilidade da lei anticorrupção é menor entre as empresas que têm mais relação com o setor público"
Valor: Voltando à primeira pergunta: como isso tem sido tratado em sala de aula com executivos, empresários, jovens que estão sendo preparados para o comando das empresas?
Sardenberg: Trato de uma forma muito clara, dizendo que a vida sempre nos coloca opções. O que eu tenho dito, e que talvez as pessoas não acreditem, é que estamos vivendo um momento de mudança. As coisas não são como eram antes. Não é o governo, não é a boa vontade de A ou de B que tem feito com que os casos de corrupção apareçam mais. Hoje a capacidade de comunicação, de fazer a informação circular, é muito maior. O ato corrupto era difícil de ser percebido e de ser comprovado. Hoje com os sistemas todos online, com todos os possíveis cruzamentos de dados, com a facilidade de as pessoas gravarem, de fazerem denúncias, é isso o que leva hoje as pessoas enfrentarem um risco que não havia no passado. O que eu digo na sala de aula é que o jogo é esse. Eu não posso ser juiz do mundo, agora, acho que está na consciência de cada um qual é o papel do empresário para geração de riqueza para os acionistas e também para o país. Não adianta achar que estou beneficiando a empresa para a qual trabalho, mas cada vez mais corroendo as bases de funcionamento da sociedade. O que eu digo em sala de aula é que a decisão é de cada um, mas lembro que se a ética da convicção diz a eles que isso não é problema é preciso atenção porque a ética de responsabilização pode pegá-los na curva.
Valor: Há diferença geracional no mundo dos negócios em relação a aceitar mais ou menos participação em corrupção?
Sardenberg: Trabalho muito com empresas familiares, herdeiros. E, sinceramente, acredito que há uma tomada de consciência de que o jogo pode ser jogado de uma maneira diferente. Não vou dizer que isso seja maioria, mas sinto que o vento sopra de maneira favorável. Tenho visto muitos herdeiros jovens, muitos sucessores que começam a perceber que, no fundo, quando a gente fala de corrupção e gente está falando em baixa competitividade do país, não da empresa.
Valor: Para muitas pessoas, a corrupção cresce no Brasil. A pesquisa que o senhor realizou com empresários indica isso?
Sardenberg: Quando eu perguntei quais eram, para os entrevistados, os agentes mais propensos à corrupção, claramente o governo federal apareceu com mais indicações. Esse é um dado da percepção. Como estamos vivendo há 12 anos sob o mesmo governo, você pode fazer a leitura. De qualquer forma, é um mal para todas as esferas de governo. Os governos estaduais e municipais também aparecem na pesquisa.
Valor: A pesquisa mostra que empresários com mais negócios com governos dizem que a Lei Anticorrupção não vai pegar. Por quê?
Sardenberg: Esse é um dado que preocupa. A credibilidade da nova lei é menor entre as empresas que têm mais relação com o setor público. Dos 286 respondentes, quanto menos a empresa fatura com contratos com governo mais tem confiança em que a lei vai dar certo. Quanto mais a empresa depende do governo, menor a credibilidade de que a lei de fato vai ser para valer. Isso significa que quem mais conhece o governo, mais desconfia de que a lei será de fato aplicada.
Valor: A lei vai pegar?
Sardenberg: Temos uma geração nova de promotores públicos, juízes com vontade de fazer valer a lei. E acho que há uma intenção efetiva no combate à corrupção. Sou otimista. É uma transformação lenta, mas acho que os ventos sopram para um lado positivo.
Valor: O senhor diria que empresas estrangeiras que fazem negócios no Brasil se envolvem menos em atos de corrupção?
Sardenberg: Há países e países e há legislações e legislações. Hoje a mais rigorosa no combate à corrupção é a lei britânica. Se o executivo de uma filial for pego pagando suborno para algum agente público, o CEO no Reino Unido pode ser processado criminalmente com até dez anos de cadeia. Mesmo não havendo nenhuma correlação direta dele com o caso. Nos Estados Unidos, ela vai mais na linha da penalização com multas. Na Alemanha, no entanto, até 1999, o pagamento de propina fora do país era dedutível do imposto de renda. Se a empresa colocasse como doação, por exemplo, a um ministro de um país, era dedutível. Vejo hoje três razões principais para coibir a corrupção no meio empresarial. A primeira são as novas legislações que tendem, em diversos países e agora no Brasil, a aplicar uma punição aos atos de corrupção. A segunda razão é a perda de valor das ações das empresas. E a terceira é a questão da reputação. As empresas falam que seu grande ativo é o valor da sua marca. Qual é o impacto de uma manchete de jornal, redes sociais acusando empresas e empresários?

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