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quinta-feira, 5 de março de 2015

A greve dos caminhoneiros e a MP 669

Sérgio Faria*
Duas notícias ocuparam os destaques dos jornais na última semana: a paralisação dos caminhoneiros e a edição da Medida Provisória 669 (26/02/2015), que revisa as regras de desoneração da folha de pagamento de setores produtivos.

Com relação à paralisação, os efeitos são desastrosos, gerando filas nos portos, desabastecimento e insatisfação generalizada. Apesar da ameaça de multas, o (não) movimento continua e há registros de 61 pontos de bloqueio, sendo que a maior parte está concentrada na Região Sul.

Em meio à turbulência gerada pela interrupção de um serviço essencial, o Governo Federal editou a MP 669, atingindo frontalmente as empresas transportadoras, que terão um aumento de 1% para 2,5% sobre o faturamento para a contribuição previdenciária.

Não bastasse a insensibilidade para perceber inoportuna a elevação da carga tributária no momento em que as empresas enfrentam dificuldades para atender às reinvindicações acima, o ministro Joaquim Levy ainda saiu com uma frase desastrosa, ao dizer que “a brincadeira da desoneração da folha de pagamento custou R$25 bilhões aos cofres públicos”. Ocorre que a “brincadeira” foi instituída pela presidente Dilma Rousseff e, à época, a iniciativa foi alardeada como uma medida de forte poder para a redução do desemprego e incentivo à produção.

As negociações com os caminhoneiros revelam uma dificuldade atípica, sem a identificação clara das lideranças. Por outro lado, a paralisação exibe a enorme fragilidade de um país que, não obstante tenha dimensões continentais, ainda depende, visceralmente, do modal rodoviário, cuja máquina operacional é sustentada na figura do carreteiro autônomo.

Sem maior estrutura e com limitada compreensão da complexidade dos sistemas de custos, os carreteiros autônomos têm enfrentado a concorrência ofertando preços verdadeiramente irreais. Parcelas como manutenção preventiva e depreciação dos veículos dificilmente são consideradas na formação dos custos e, em paralelo, na guerra pela sobrevivência, os autônomos terminam aceitando desafios que implicam na realização de um trabalho completamente fora dos padrões de normalidade: uso de combustível adulterado; excesso de carga por veículo; estradas alternativas para fugir aos custos com pedágio; corrupção e suborno das autoridades fiscalizadoras e extensão das jornadas de trabalho, obrigando-os, muitas vezes, a recorrer a drogas e estimulantes.

A utilização crescente do carreteiro autônomo com o consequente distanciamento entre o valor do frete e a realidade dos custos, além de inibir a concorrência de outros modais, sentencia, inevitavelmente, o comprometimento do padrão de serviço no transporte rodoviário.

Assim, diferentemente do que possa transparecer perante boa parte das autoridades responsáveis e outros observadores igualmente desatentos, a insistência em um modelo centrado no carreteiro autônomo poderá trazer sérias consequências para a nossa estrutura econômica, pois, além de inibir a tão almejada descentralização modal, compromete a qualidade e põe em risco a confiabilidade do próprio transporte rodoviário.
 Sérgio Faria
Engenheiro civil, Professor da UFBA e  Coordenador do Comitê Portos da Fieb

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