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segunda-feira, 9 de março de 2015

O último engenho íntegro da Bahia

 Paulo Ormindo de Azevedo*

A história brasileira foi sustentada entre o século XVI e parte do XIX pela agroindústria açucareira. A estrutura patriarcal, a escravatura, a miscigenação, as rebeliões libertarias e a cultura popular resultam desta economia, especialmente na Bahia e em Pernambuco, os dois maiores produtores mundiais do período. 
Dos 500 engenhos da Bahia, em meados do século XIX, não restam senão cerca de dez casas-grandes, algumas capelas e duas ou três fábricas, mas apenas um engenho completo. Quando coordenei o Inventario de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (7 volumes) levantamos todos estes testemunhos mas nenhuma das medidas propostas foi adotada. Sobre esta documentação Esterzilda Berenstein de Azevedo escreveu teses de mestrado e doutorado na UFBA e USP. A primeira “Arquitetura do Açúcar” publicada pela Ed. Nobel, 1990. A segunda resumida em “Engenhos do Recôncavo”, IPHAN 2009. 
Um dos mais notáveis monumentos deste ciclo, o engenho Freguesia, pertencente ao estado, permanece em obras há décadas. Sem vigilância, o museu ali instalado teve seu acervo de móveis, louças e cristais roubado e sua fábrica pilhada pelos vizinhos para utilização de suas pedras, madeiras e telhas em suas casas. Uma das poucas fabricas que ainda se mantém, mas sem seus equipamentos, é a do engenho Cajaiba, em São Francisco do Conde. A bela fábrica em arcos foi transformada em cavalariça e depois abandonada. 
A pobreza da Bahia não é só econômica, mas de empreendedores de talento. Em Pernambuco foi criada a Rota dos Engenhos e Maracatus com pousadas, restaurantes e centros culturais como o existente no belo Poço Comprido. Na Paraíba criaram os Caminhos dos Engenhos. Noventa fazendas de café do vale do Paraíba do Sul são preservadas como pousadas, restaurantes e casas de fim de semana. Na Bahia poderíamos ter a Envolvente dos Engenhos, Capoeira e Samba de Roda do Recôncavo com as cidades históricas, casas-grandes e capelas que ainda restaram e a rica cultura popular local. Será que nossos empresários não têm uma ambição maior que possuir uma Mercedes e uma lancha seminovas? 
Uma exceção é o casal Arilda e José de Sousa criadores da pousada Catarina Paraguaçu e da academia Vila Forma, que restaurou e deu uso a duas belas casas do Rio Vermelho e o ultimo engenho real da Bahia. O Engenho de Baixo, em Aratuipe, com acesso por Nazaré está completo, possui casa-grande acoplada à fábrica com roda d´água, moenda, forno com tachos, casa de farinha e moinho de dendê, tudo acionado pelas “levadas” d’água. O engenho está em um parque com restos de mata e de uma senzala, açude, pomar, pastos, uma cachoeira e um banheiro-cascata que provoca orgasmos no banho.
Cansados das filas do ferryboat, Arilda e José querem passar o engenho para quem tenha a mesma paixão que eles pela história e pelo belo. Vendem o engenho de cancela fechada, com amimais, móveis do s. XIX e uma coleção notável de instrumentos de trabalho pré e proto-industriais. Não temos tradição de mecenato e cabe ao poder público preservar este parque para ensinar às novas gerações como funcionavam os engenhos, que eram de açúcar para os senhores e de fel para os escravos. Está feito o lembrete. 
Aprovado?

 *Paulo Ormindo é professor titular da UFBa e Doutor em Urbanismo
SSA: A Tarde de 1º/03/15

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