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terça-feira, 17 de março de 2015

Dolar alto promove recuperação da economia na Europa


Paul Krugman*
Estão nos avisando constantemente que o Federal Reserve (o Fed, Banco Central dos Estados Unidos), nos seus esforços para melhorar a economia, vem "rebaixando" o dólar. Este termo arcaico por si só indica muita coisa sobre as pessoas que vêm emitindo esses alertas. É uma alusão à antiga prática de substituir as moedas de ouro puro ou prata por moedas em que o conteúdo do metal precioso era adulterado com um material mais barato.

Uma mensagem para os aficionados do ouro e os discípulos de Ayn Rand que dominam o Partido Republicano: hoje o dinheiro moderno não funciona mais assim. Mas os críticos do Fed continuam insistindo que as políticas em favor do dinheiro fácil levarão a um mergulho do dólar.

A realidade, contudo, obriga o dólar a declinar. Longe de rolar escada abaixo para o porão, o dólar disparou para o teto. Durante o ano passado sua valorização foi de 20%, em média, frente a outras importantes moedas: subiu 27% frente ao euro. Um viva para o dólar forte!

Ou não. Na verdade o dólar forte é ruim para os Estados Unidos. Num sentido imediato, ele debilitará nossa lenta recuperação econômica, ampliando o déficit comercial. Num sentido mais profundo, a mensagem da disparada do dólar é de que estamos menos isolados do que muitos imaginam dos problemas no exterior. Em particular, pense na combinação dólar forte/euro fraco como a maneira de a Europa exportar seus problemas para o resto mundo, com os EUA afetados em grande medida por isso.

Alguns antecedentes: o crescimento dos Estados Unidos avançou recentemente, com o nível de emprego subindo a um ritmo que não era visto desde os anos do governo Bill Clinton. Mas a situação da economia ainda deixa muito a desejar. E particularmente a ausência de muitas evidências para elevar os salários nos informa que o mercado de trabalho ainda está frágil, apesar da queda da taxa de desemprego oficial.

Por outro lado os retornos oferecidos pelos EUA aos investidores estão ridiculamente baixos pelos padrões históricos, com os títulos de longo prazo pagando um pouco mais de 2% de juro. Mas os mercados monetários sempre avaliam os países com base numa curva.

Os Estados Unidos não estão exatamente no auge do progresso, mas estão numa situação boa em comparação com a Europa, onde o momento é ruim e o futuro parece que será pior. Mesmo antes da nova crise grega, a Europa já começava a se assemelhar ao Japão sem a coesão social: dentro da zona do euro a população em idade ativa vem diminuindo, o investimento é débil e grande parte da região está flertando com a deflação.

Os mercados têm reagido a essas péssimas perspectivas forçando uma queda dos juros a níveis incrivelmente baixos. Na verdade muitos títulos europeus oferecem hoje taxas de juro negativas. Esta situação incrível torna até os baixos retornos oferecidos pelos Estados Unidos atrativos em comparação. Assim o capital vem na nossa direção, empurrando o euro para baixo e o dólar para cima.

Quem ganha, quem perde. Quem ganha com este movimento do mercado? A Europa: o euro mais barato deixa a indústria europeia mais competitiva frente aos seus rivais, impulsionando as exportações e as empresas que competem com importações, e o efeito é mitigar a desvalorização do euro. Quem perde?

Nós perdemos, uma vez que nossa indústria perde competitividade, não só nos mercados europeus, mas em países onde nossas exportações competem com as deles. Os EUA estão vivendo um modesto renascimento da manufatura dos últimos anos, mas ele será abreviado se o dólar permanecer alto por muito tempo.

Efetivamente, a Europa vem conseguindo exportar parte da sua estagnação para o restante do mundo. Não estamos falando de um complô perverso ou de desvalorização competitiva; é assim que as coisas funcionam numa economia global com uma extrema mobilidade do capital e taxas de câmbio determinadas pelo mercado.

E as consequências podem ser enormes. Se os mercados entenderem que a fragilidade da Europa vai durar um longo tempo, podemos esperar que o euro caia e o dólar valorize o bastante para eliminar - e muito - a diferença nas taxas de juro, o que prejudicará severamente o crescimento dos Estados Unidos.

Consequências. Uma questão que me preocupa é que não acho que nossos legisladores levem plenamente em conta as implicações de um dólar valorizado. O Fed, ainda entusiasmado para aumentar os juros apesar da inflação baixa e dos salários estagnados, parece estar por demais otimista com a lenta recuperação. E as mais recentes atas de reunião sugerem que alguns membros do comitê de política monetária estão completamente desinformados, aparentemente acreditando que as entradas de capital tornarão a economia americana mais forte, não mais frágil.

Mais um dado: muitas empresas em todo o mundo se endividaram bastante em dólar, o que significa que a valorização pode criar um novo ciclo de crises de dívida.

Há uma lição a tirar de tudo isto? Um fato realmente importante para todos nós é que Mario Draghi, do Banco Central Europeu (BCE), e associados, conseguiram afastar a Europa da armadilha deflacionária; o euro é sua moeda, mas tornou-se também nosso problema. E esta é mais uma razão para o Fed lutar contra a ânsia de achar que a crise acabou. Não devemos elevar os juros enquanto não houver certeza de que esta é a melhor medida. / Tradução de Terezinha Martino


E-mail: paul.krugman@estadao.com

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