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quinta-feira, 2 de abril de 2015

O que quer Eduardo Cunha?


Alberto Carlos Almeida*
O que quer Eduardo Cunha? Talvez seja esta uma das perguntas mais importantes, no momento, da política brasileira. O ex-líder do PMDB iniciou seu mandato de presidente da Câmara em 1º de fevereiro deste ano. Desde então, o governo Dilma sofreu inúmeras derrotas, já elencadas nesta coluna. Em função disso, alguns se perguntam se Cunha deseja que a série de derrotas do governo culmine com o início da tramitação do pedido de impeachment da presidente. Cunha já declarou várias vezes que não vê motivos para o impeachment.
No rol de declarações e atos amigáveis ao governo encontra-se, da parte de Cunha, a predisposição manifesta em aprovar as medidas provisórias do ajuste fiscal. O presidente da Câmara tem afirmado e reafirmado seu compromisso com a viabilidade econômica e financeira do país no curto prazo. Ele considera que, caso o ajuste fiscal não seja aprovado, ou desfigurado de maneira a anular seus efeitos benéficos nas expectativas dos agentes, o Brasil corre sério risco de perder o "grau de investimento". Para ele, estamos todos no mesmo barco. Uma eventual crise gerada pela perda do grau de investimento seria ruim não apenas para o governo Dilma, mas também para o Parlamento, para as empresas e para a sociedade que o Congresso representa. Não se depreende daí, obviamente, que Cunha apoie o governo.
A propósito, há pouco menos de uma semana, Cunha declarou, em entrevista para o jornal "O Globo", que o PMDB finge que está no governo, e o governo finge isso também. Formalmente, o PMDB está no governo Dilma. O partido tem o vice-presidente da República, ocupa ministérios e controla cargos de vários escalões. A questão levantada pelo presidente da Câmara não é formal, mas substantiva: a participação do PMDB na aliança de governo, e o tratamento a ele dispensado, não está de acordo com sua relevância na Câmara e no Senado. O PMDB tem deixado isso claro nas sucessivas derrotas legislativas que vem impondo ao governo.
Octávio Amorim Neto se notabiliza por estudos muito bem fundamentados sobre as instituições políticas brasileiras, em particular acerca do funcionamento do Poder Executivo em suas relações com o Legislativo. Deve-se a ele a atenção hoje dedicada tanto à relação existente entre projetos de lei e medidas provisórias, quanto ao debate acerca da proporcionalidade da distribuição de ministérios, vis-à-vis as cadeiras de cada partido no Parlamento. De acordo com seus estudos, a menor proporcionalidade entre ministérios e força parlamentar ocorreu durante o governo Collor e as maiores foram obtidas nos governos Fernando Henrique e Lula. Não por acaso, os destinos desses governos foram bastante diferentes. Jamais se deve esperar uma proporcionalidade perfeita, de 100%. Afinal, o partido do presidente acaba por ser agraciado, em geral, com mais ministérios do que permite prever sua força parlamentar.
Outro traço da boa distribuição de ministérios tem a ver com os ministros considerados não políticos, aqueles que não têm filiação partidária. Durante a maior parte do governo Collor, nada menos que 60% dos ministros não tinham filiação partidária alguma. Já no governo Fernando Henrique, na maior parte de seus dois mandatos, algo em torno de 30% dos ministros não tiveram filiação partidária. Nos governos Lula, essa proporção média foi ainda menor: 20%. Tanto Fernando Henrique quanto Lula nomearam mais ministros sem filiação a nenhum partido apenas no último ano de seu segundo mandato. Não precisavam mais de apoio político, estavam no ano de despedida do Palácio do Planalto.
O PMDB é injustamente criticado por estar sempre no governo. A crítica é injusta porque a posição e o tamanho do PMDB o colocam, obrigatoriamente, no governo. O PMDB é um partido de centro e é o segundo maior partido em número de deputados e o maior em cadeiras no Senado. Em todos os países do mundo que são pluripartidários, o partido de centro fica sistematicamente no governo. Apenas em períodos excepcionais é possível formar um governo que abra mão de ter o partido de centro no governo.
Uma especificidade do Brasil é que o partido de centro é grande. Na França e na Alemanha, para ficar somente em dois exemplos, o partido de centro é bem menor que o nosso brasileiríssimo PMDB. Nós, brasileiros, sofremos do complexo de vira-latas. É possível que muitos considerem que partidos de centro pequenos, como nos dois países mencionados, são mais salutares para o funcionamento do sistema político do que partidos de centro grandes, como ocorre no Brasil. É difícil dizer o que é melhor ou o que é pior. O fato é que somos assim e quem quiser governar precisa se adequar a essa realidade.
O PMDB tem hoje 66 deputados federais. Esse número pode variar um pouco, em função de deputados que são chamados a ocupar cargos executivos e que, por isso, são substituídos por suplentes de outro partido. Isso vale para todos os partidos. Ainda assim, somando-se a bancada federal do PMDB com a do PT, a do PSD liderado por Kassab, a do PR e a do PP, obtêm-se quase 50% dos votos da Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha, portanto, pode aprovar, em aliança com o PT, projetos e leis de interesse do governo Dilma.
Da mesma maneira, substituindo-se os 70 deputados do PT pelos 57 do PSDB e com o apoio de mais um partido, talvez dos 34 deputados do PSB, o PMDB pode derrubar qualquer iniciativa do governo.
Alguém poderá levantar a objeção de que o PMDB não lidera os votos do PSD, do PP e do PR. Isso pode ser verdade, mas há muito mais votos na Câmara do que os controlados por esses partidos. É fato que o PMDB é o maior partido de centro no Brasil, e é igualmente verdade que seus políticos são experientes - vários deles são figuras-chave na Câmara dos Deputados já há seguidas legislaturas. Trata-se de algo extremamente relevante. A negociação política exige que os acordos sejam firmados "na ponta do bigode". Não há acordos escritos, todos são baseados na palavra de cada líder. A reputação de bons políticos é construída na costura e no cumprimento de acordos. Quanto mais tempo ocupa uma cadeira parlamentar e quanto mais vezes um deputado celebra e cumpre acordos, mais confiável ele se torna aos olhos de seus pares. É o PMDB quem mais combina essas características: tamanho, posicionamento de centro e políticos que de fato lideram. Isso vai além de sua fronteira partidária. Se os partidos fossem planetas, caberia ao PMDB exercer a maior força gravitacional, em comparação com seus vizinhos. Cunha lidera essa força gravitacional.
Tudo indica que o ministério formado por Dilma está mais próximo da proporcionalidade dos governos Fernando Henrique e Lula do que do período Collor. Sendo assim, caberia perguntar por que o PMDB vem impondo sucessivas derrotas ao governo. Há os petistas que mais resistem a uma aliança com o PMDB, que afirmam que o partido de Cunha sempre quer mais. Nesse caso, atender ao que hoje pede o PMDB não passaria de uma ante-sala para gerar mais demandas do partido aliado. Ora, se issto fosse verdade, não haveria maiorias parlamentares estáveis no Brasil.
Sentir-se explorado é algo inteiramente subjetivo. Grande parte das relações humanas está baseada na troca. Há a troca comercial e mercantil, há a troca de favores, há a troca simbólica. Enfim, ainda que na maioria das vezes não notemos, as trocas são muito presentes em nossa vida.
O mais provável é que, atualmente, o PMDB se sinta explorado. Considerando-se seu tamanho e importância, assim como o apoio que deu aos governos do PT, o principal líder do PMDB possivelmente acha que seu partido deveria ter mais acesso aos recursos do governo federal. Se Cunha pensa assim, ele tende a representar seus pares que decidiram conduzi-lo à presidência da Câmara. Sentir-se explorado causa, com frequência, insubordinação e rebelião. É justamente o que vem ocorrendo na Câmara dos Deputados.
A sensação subjetiva de exploração só é mitigada se o explorador, que, do ponto de vista do PMDB, é o governo federal, ceder. Aqui há espaço para o impasse, caso os dois lados se sintam explorados. Também é possível que o governo federal se sinta explorado pelo PMDB. Sempre estaremos no terreno da subjetividade.
O que há de objetivo é que não se governa sem o Congresso. E assim retornamos à grande questão: o que quer Eduardo Cunha? Tudo indica que, no momento, ele quer apenas levar adiante a aprovação dos projetos e leis que considera pertinentes para o país. Quer apenas governar. Ele tem os instrumentos para isso.
*Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de “A Cabeça do Brasileiro” e “O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo”
E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com

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