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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Marcos Bulcão na Mombaça

Oliveiros Guanais de Aguiar
Durante um longo período, a família Coni Campos e seu anexos íamos muito à Mombaça, em datas certas: semana santa, S. João, festa de São Francisco. Eram três, quatro dias de oração e penitência (Uísque, cerveja, mesa permanentemente cheia, coisas de festa...).

A família era subordinada a D. Belita, a matriarca siciliana da trupe, a quem todos respeitavam e reverenciavam. Eu tinha um papel nessa história: era o que mais bebia, mais falava, mais discutia. Eu animava as festas, e nisso não há modéstia.

A festa de São Francisco não nos agradava muito porque era muito concorrida, a casa ficava cheia demais, muita gente desconhecida circulando. Além disso, a devoção contínua, enchia o saco da gente, ficávamos o tempo todo ouvindo aquele hino chato e falso: “Viva S. Francisco, Com sua nobreza, Retrato de Cristo, É o pai da pobreza... Outra vez... e outra vez... agora na voz de Teodora...depois na voz de Sá Joana...

Desde a véspera, as arrumações começavam. Gambiarras, barracas, música, foguetes, viva São Francisco...

Numa dessas festas, 4 ou 5 barracas foram arrumadas, iluminadas, forradas de pano de jogo na noite de véspera. E no outro dia as atividades tiveram início e desenvolvimento.

Eu andava de bermuda pra lá e pra cá, descalço, um uísque atrás do outro. Magnífico desempenho!. Conversava com um, conversava com outro, apreciava o movimento.

Nossos garotos brincavam de tudo. Um deles, o Marcos Bulcão, baixinho na época, ruivo, cara suja, era só excitação. Passava correndo de um lado para outro, entrava na casa, estava feliz e vitorioso: tio, já ganhei 12 cruzeiros(ou cruzados? Ou que diabo de dinheiro era? Era um bom dinheiro nas mãos de uma criança.) E depois: tio, já ganhei 22 cruzeiros. Mas depois foi mudando a conversa: começou a perder. Perdeu tudo e voltou triste, jogador acabado.

Quando me contou sua derrota total, resolvi entrar em cena. Vou tomar providência. E dirigi-me par a barraca em que ele jogava- eu continuava de bermuda, pés descalços,desarrumado todo, como já disse antes— e na barraca fui recebido com festa pelo homem do jogo: —uma fezinha aí, patrão. –Fezinha ? eu quero é o alvará. —Que alvará? –O alvará que dá licença a vocês de estarem aqui promovendo jogo em ambiente público, no meio da rua e aceitando a participação de crianças nessa história. Isto é contravenção penal. Eu quero o alvará...

E mal terminara de pronunciar de novo esta palavra já ouvia os gritos: sai daí menino, vão embora meninos... E a esse tempo já estava presente um homem de roupa preta , toda preta, com paletó e gravata dando esporro nos meninos e todo atencioso comigo: — o senhor sabe, doutor, não tem jeito para esses meninos: sai daí menino!.

Vocês estão transgredindo a lei, insisti. Vou lavrar o auto de infração. E com andar trôpego me dirigi para a casa, gastei tempo rabiscando, com letra trêmula (etilismo acumulado) um texto cheio de ciência jurídica ou policial, não sei, e retornei ao lugar para apresentar aos infratores e complicar a vida deles (Assim procedia, quase rindo de tudo, e sem medo nenhum daqueles homens que podiam ser perigosos porque viviam daquilo)

Mas aconteceu um milagre; não havia barraca nenhuma. Sumiram todas. Ou não havia barraca mesmo, e eu delirava por efeito do álcool?

No outro dia o comandante do grupo, o que estava de roupa preta, abordou João Coni, o Jonga, primo de minha mulher e figura conhecida e de prestígio na localidade e perguntou, apontando para mim que ia passando à distância: —Seu Jonga, quem é aquele homem que ontem acabou com o nosso jogo?

Jonga, que já’sabia de história, fez mistério: eu não sei não. Ouvi falar que é da Polícia Federal. Seu Jonga, suplicou o chefe da jogatina, peça a ele pra deixar a gente fazer nosso joguinho, a gente precisa ganhar a vida.

*Falecido em 2010, Oliveiros Guanais era médico anestesiologista. Foi presidente nacional da UNE em 1961.

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