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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O cérebro desenvolvimentista

Monica de Bolle
Não há meio-termo, tampouco conciliação. No Brasil pós-Lula, quase pós-PT, ou se é uma coisa ou outra. Desenvolvimentista ou neoliberal? O sujeito liberal não pode gostar de “desenvolvimento”, é o “rico”, o representante da “elite”, o “rentista”.
Já o “desenvolvimentista” é aquele que sabe do que não gosta, mas não entende aquilo que defende de modo implícito e apaixonado. O cérebro do desenvolvimentista é peculiar, inflacionista.
Exemplos neurolinguísticos reveladores das características do cérebro desenvolvimentista abundam na imprensa brasileira. O córtex, área responsável pelo pensamento e pela ação, é comandado por reflexões que remetem obsessivamente às profundezas insondáveis da nova matriz econômica.
A nova matriz, aquela que nos trouxe à situação calamitosa que atualmente atravessamos. À travessia, nas palavras da própria presidente da República.
O corpo caloso do cérebro desenvolvimentista é composto por tipo de complexidade peculiar. As estruturas que conectam os dois hemisférios, a lógica, de um lado, a criatividade, de outro, são incapazes de conectar salários que crescem acima da produtividade com a inflação galopante que assola o país. Termos como “inflação de custos” proliferam entre aqueles que se autodenominam defensores do crescimento, inimigos dos neoliberais que querem…
Bem, eles não sabem articular o que os ignóbeis neoliberais querem. Sabem apenas acusá-los de serem “contra o povo”, “a favor dos bancos”. “Inflação de custos” é expressão para lá de enganosa.
Se os custos sobem pressionando preços, é porque em algum lugar a demanda cresce acima da capacidade de oferta. Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o mercado se ajustar, represando os preços.
Tal atitude desarranja o balanço das empresas e o papel dos preços como sinalizadores de abundância e escassez, situação insustentável. Mais dia menos dia, os tais dos custos têm de ser corrigidos, levando à escalada inflacionária que hoje testemunhamos. O cérebro desenvolvimentista, entretanto, não faz a conexão entre um lado e o outro.
O sistema límbico, a parte mais primitiva do cérebro, responsável pelas emoções, reage de modo visceral no cérebro desenvolvimentista. Incandesce quando processa palavras como “capitalismo”, “mercado”, “expectativas”.
Acalma-se apenas quando o tronco encefálico, a estrutura mais simples do cérebro, pulsa com os axônios do “endividar-se para crescer” e o “expandir o crédito público para impulsionar o investimento”.
O cérebro desenvolvimentista não processa que o déficit público brasileiro está em quase 9% do PIB, que a dívida não comporta qualquer manobra para fingir que é possível crescer sem fazer as reformas necessárias para restaurar a higidez fiscal. O cérebro da inflação de custos tampouco entende que suas pregações apaixonadas levam apenas a um resultado: a alta da inflação.
Vá lá que muitos cérebros desenvolvimentistas tenham se formado depois da longa travessia, a verdadeira travessia, a do combate inflacionário. Mas, fica a pergunta: é razoável que economistas de boa formação abandonem os preceitos básicos de sua profissão para apregoar o indefensável?
O cérebro humano exibe plasticidade única na natureza. Talvez seja possível crer que o cérebro desenvolvimentista passe por transformações súbitas após testemunhar o desastre da economia brasileira. A esperança, afinal, a esperança.
Monica de Bolle é economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics

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