Fernando Gabeira*
Um
soldado japonês, chamado Hiroo Onoda, lutou por 30 anos, depois que a II Guerra
acabou. Ele foi mandado para as Filipinas com a missão de resistir e ficou por
lá, sem saber do término do conflito. É quase impossível reproduzir, hoje, a
saga de Hiroo Onoda.
Mas se
olhamos para o Brasil, num período de derrocada da Petrobras e dos próprios
preços do petróleo, veremos que o país tem um pouco da persistência do soldado
japonês. Fomos educados a pensar que o petróleo é nossa grande riqueza,
constantemente ameaçada pelos estrangeiros. Saímos às ruas, os mais velhos,
para defender esse tese e gritávamos orgulhosamente: o petróleo é nosso. Com a
descoberta do pré-sal, no governo do PT, reacendeu-se a chama: o petróleo é
nossa redenção e dele brotam as fontes dos nossos recursos. No primeiro mandato
de Lula, ele flertou com o álcool, planejou usinas de álcool em todo lugar,
inclusive em parceria com os americanos. Mas o petróleo era muito forte.
O pré-sal fez com que Lula jogasse todos os projetos de álcool para o espaço, lambuzasse as mãos com óleo negro e acariciasse as costas de Dilma, numa célebre foto em que parecia dizer: você é a herdeira e vai nos levar ao paraíso.
O pré-sal fez com que Lula jogasse todos os projetos de álcool para o espaço, lambuzasse as mãos com óleo negro e acariciasse as costas de Dilma, numa célebre foto em que parecia dizer: você é a herdeira e vai nos levar ao paraíso.
Alguns
sabiam que não era bem assim. Conheciam a história da doença holandesa, como os
países dependentes da produção do petróleo correm o risco de se atrasar. E viam
também que recursos não bastam. Os royalties saíam pelo ralo em grandes festas
municipais, obras caras e quase inúteis. Os patrióticos soldados do petróleo
atacaram na regulação do pré-sal. É preciso não só defender o papel da
Petrobras, como afirmar nossa vocação nacionalista: a empresa era obrigada a
participar de todos os projetos na área do pré-sal.
A
alternativa era dar à Petrobras a preferência. Onde quisesse, participaria;
onde não quisesse, descartaria. A preferência era inclusive evitar as canoas
furadas. Mas não soava tão nacionalista, tão apaixonada. O populismo de
esquerda queria se apresentar como o grande defensor da Petrobras. Seus
adversários do PSDB não tinham como contestá-lo, na verdade entraram na onda,
com medo de perder votos. Enquanto o petróleo seguia seu destino de commodity,
subindo e descendo no mercado, acossado pelos perigos do aquecimento global,
nossos soldados continuavam a luta para protegê-lo da ambição estrangeira,
imperialista, alienígena, enfim, o adjetivo dependia do estilo pessoal do
orador.
O
soldado japonês ficou 30 anos lutando numa guerra por disciplina e amor ao seu
país. Quem o mandou para as Filipinas disse: fique lá até que determinemos sua
volta. Os soldados brasileiros do petróleo amam o Brasil de uma forma diferente
do japonês. Eles se identificam tanto com o país que, ao afirmarem que o
petróleo é nosso, querem dizer que o petróleo é deles. Esta confusão entre
soldado e pátria, partido e país, acabou inspirando a maior roubalheira da
história do Brasil: o petrolão. O governo japonês garantiu um salário digno
para o soldado Hiroo Onoda até o fim de sua vida. O brasileiro terá de garantir
uma longa prisão para seus retardatários guerreiros. A última grande batalha
aconteceu nas ruas do Rio, quando já se sabia do escândalo da Petrobras.
Comandado por Lula, um pequeno pelotão desfilou pelas ruas defendendo a grande
empresa dos seus inimigos internos e externos.
Assim
como Lula, usavam macacões da cor laranja. Se fosse nos Estados Unidos,
pareceriam candidatos à prisão, pois já estavam vestidos com a cor certa. O
laranja é a cor do uniforme dos presidiários lá e inspirou o título de uma
série sobre a cadeia: “Orange is the new black”. Mas se prendêssemos todos ali,
poderíamos cometer injustiças. Nem todos saquearam a Petrobras. Alguns, talvez
a minoria, simplesmente, não sabem que a guerra acabou e continuam acreditando
que os americanos querem nosso petróleo e que o mundo inteiro se tensiona para
nos explorar. Não sabem como os americanos avançaram na exploração do xisto,
ignoram os investimentos alemães e chineses na energia solar, não dimensionam
um conflito muito mais importante para o petróleo: o da Arábia Saudita e Irã,
sunitas versus xiitas.
Assim
como o japonês que não sabia do fim da guerra, nossos soldados talvez tenham
ignorado um outro marco da história contemporânea: a queda do Muro de Berlim.
Seguem de cabeça erguida rumo ao socialismo do século XXI, simplesmente como se
o século anterior não tivesse existido. Em vez de fazer uma luta armada para
implantar seu modelo, optaram por uma sinistra marcha pelas instituições,
dominando-as progressivamente, até que sejam apenas um brinquedo na mão do
partido e seu líder. Essa novidade também foi para o museu, com a crise na
Venezuela, a derrota na Argentina. O Brasil não é um país muito rápido para
apreender as mudanças, a ponto de prender os líderes saqueadores e mandar os
iludidos soldados cuidarem de sua vida.
Pelo
menos já compreendeu o ridículo de expor as mãos tintas pelo petróleo, de
acreditar que nosso futuro depende apenas dele, de se divertir gastando
royalties em incontáveis shows musicais nas cidades do interior. A guerra
acabou. Hoje a ação da Petrobras vale menos que um coco na praia. E as reservas
do pré-sal que nos trariam fortunas mirabolantes tornam-se econômicamente
inviáveis com o petróleo a US$ 30 o barril. O exército laranja e seu general
com mãos sujas de óleo deveriam sair das trincheiras. Perderam. O pior é que
fizeram o Brasil perder muito mais, com suas ilusões, erros e crimes.
*Jornalista, foi Deputado Federal eleito pelo PT
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