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quinta-feira, 16 de março de 2017

Leilão não significa otimismo sem medida dos investidores

Thaís Herédia*
O governo foi vitorioso na venda das concessões de quatro grandes aeroportos do país. Houve disputa e a arrecadação, de R$ 3,7 bilhões superou o valor mínimo esperado pelo governo. A operação foi considerada um primeiro grande teste para o Plano de Parcerias do Investimento da gestão de Michel Temer. Foi sim o primeiro, mas não foi o mais importante nem o será que trará mais recursos para o país.
 A venda dos aeroportos também não pode ser considerada um aval de credibilidade dos investidores no Brasil. A falta de concorrência no leilão, 3 grupos para 4 aeroportos, mostra que o mercado ainda está desconfiado. A opinião é do professor Paulo Resende, coordenador no núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral, em conversa com o Blog.
 “O modelo de concessão mais compreendido pelo mercado é o dos aeroportos. E o resultado do leilão não pode significar para o governo um movimento de otimismo sem medidas dos investidores. É preciso entender que o setor aéreo tem uma demanda reprimida muito forte que se descomprime rapidamente com a retomada do crescimento. Não é o que acontece com outros setores como portuário, ferroviário e rodoviário”, me disse o professor.
 Paulo Resende alerta para o fato de haver apenas concorrentes estrangeiros nesta operação dos aeroportos, porque sinaliza que a dependência do capital internacional está maior.
 “Ter interesse internacional é bom, mas manda uma mensagem para o Brasil. Temos que profissionalizar o processo de concessão. Nós somos amadores quando apresentamos nosso portfólio para o mundo. Os slides que o governo apresenta vendem o paraíso quando vivemos o purgatório. Os estrangeiros não estão acostumados com venda utópica de projetos. A venda tem que ser mais profissional, com projetos executivos apresentados antes da concessão ”, diz Resende.
 O professor dá como exemplo os quatro aeroportos concedidos nesta quinta-feira (23). Segundo ele, nenhum deles tem um projeto executivo de longo prazo. “Quem ficou com a concessão de Salvador vai ter que construir uma segunda pista. Para isso, precisará de licença ambiental. Ninguém faz ideia da complexidade desse processo. A concessionária só vai descobrir o que fazer quando começar a operar, ou seja, uma inversão de fases”, explica.
 São dois os pontos mais frágeis apontados pelos analistas de investimentos em infraestrutura: o marco regulatório e a fonte de financiamento das operações. Nestes dois quesitos houve mudanças do governo Dilma para cá, mas ainda não o suficiente para dar garantias mais fortes aos investidores.
 “O marco regulatório é o calcanhar de Aquiles e o governo não está trabalhando para consolidá-lo. A obrigação da participação de empresas estatais nos grupos que levam a concessão é uma insistência de um país que ainda insere ideologias onde o jogo de mercado deveria acontecer. O marco regulatório não é causa de nada, ele é efeito, é o resultado do equilíbrio entre os três poderes, Legislativo, Judiciário e Executivo. E o papel das agências regulatórias ainda é incerto”.Sobre as fontes de financiamento, o professor da Dom Cabral se posiciona na outra ponta do debate. Os representantes de investidores apoiam e esperam um papel relevante do BNDES no financiamento das concessões. Ele já foi de 70% e, depois da chegada de Maria Silvia Bastos ao comando do banco estatal, ronda os 40% do valor total da operação.
 “O mercado se acostumou com paternalismo estatal. O papel social do BNDES financiando a juros baixos e fabricando dinheiro não serve para as concessões. O mercado tem que se acostumar a andar com as próprias pernas. Os estrangeiros têm dinheiro lá fora, facilidade de captação, não podem depender do BNDES. Eu não conheço quem está quebrado e empresta dinheiro para os outros”, alfineta Resende, com razão.
 Perguntei ao professor se a relação entre preço, custo e risco estava boa, o que pode atrair mais investidores para as próximas vendas. Ele disse que sim, a relação está positiva, mas o governo está incorrendo em erros que a gestão passada cometia. Ele defende uma mudança de paradigma na apresentação dos projetos, com mais garantias de que o retorno esperado pelo negócio virá e será garantido no longo prazo.
 “O que temos que oferecer é uma boa taxa de retorno do negócio e a brasileira já é uma das maiores do mundo. Quando olhamos as projeções de demanda reprimida da economia, tirando a crise recente da equação, os investidores esperam um crescimento médio entre 3% a 4% em 10 anos. O que para ferrovias, aeroportos e portos dá um retorno excepcional! Em relação a outros países com dimensões continentais, ou entre as 20 principais economias do mundo, o Brasil é o que da mais retorno”, avalia o professor Paulo Resende.
 O plano de concessões de Michel Temer surgiu com a missão de mostrar que a confiança dos investidores voltaria rapidamente e que o Brasil teria fortes entradas de capital para financiar a retomada do crescimento. A liderança de Moreira Franco no projeto minou as chances de isso acontecer com a velocidade desejada por Temer. O ministro está nas listas de Janot e está agora focado em se manter no poder longe da Lava Jato.
 O Plano de Parcerias para o Investimento, PPI, continua sendo um bom caminho, já que o Estado brasileiro não tem a menor condição de investir em infraestrutura, não tão cedo. Mas ele só deve deslanchar depois que a crise política arrefecer. E para isso, não há quem arrisque palpite.
 

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