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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Ney Latorraca, o grande ator que usava bermudas, camiseta e sandálias

Julinho Bittencourt*

O Brasil e o mundo perderam na manhã desta quinta-feira, 26 de dezembro, o grande ator Ney Latorraca. Ele estava internado desde o último dia 20 de dezembro na Clínica São Vicente, na Gávea, Rio de Janeiro, por conta de um câncer de próstata e morreu em decorrência de uma sepse pulmonar.

Já a cidade de Santos, onde nasci e passei a maior parte da vida, perde um de seus filhos ilustres. Para muito além do ator, perde o sujeito divertido, sagaz, filho do conhecido crooner Alfredo Simoney, que nossos pais e avós dançaram ao som de sua voz em grandes bailes do passado. Perde o sujeito que sentiu a primeira faísca do teatro percorrer o seu corpo no lendário colégio Canadá. O jovem repleto de sonhos que foi para São Paulo montar a peça "Reportagem de um tempo mau", escrita e dirigida pelo também santista Plínio Marcos, no Teatro Arena. Lá, assim como vários outros, o espetáculo foi censurado pela ditadura, alguns atores foram presos e Ney voltou para sua terra. Novamente em Santos, insistiu no teatro e tudo o mais é história.

O bad boy Mederiquis

A primeira imagem que lembro do Ney foi na divertida novela “Estúpido Cupido”, em que fazia o papel do bad boy Mederiquis, fã de Elvis Presley e líder da banda de rock Personélitis Bóis. Na época, entre 1976 e 1977, ele já estava com 33 anos e teria que fazer o papel de um sujeito de 17. Só aceitou com a condição de poder improvisar com os figurinos e, sobretudo, com uma lambreta, que batizou de Brigite.

Revisar a trajetória triunfal de Ney Latorraca é algo que todos os jornais do país estão fazendo neste exato momento. Foram inúmeros papéis inesquecíveis. Só na Globo foram 18 novelas, seis minisséries e oito seriados. Além disso, ainda estrelou em 23 longas-metragens e 13 espetáculos teatrais.

O Mistério de Irma Vap

Entre as peças, vale destacar a fabulosa "O Mistério de Irma Vap”, de Charles Ludlam, em que ele e Marco Nanini, dirigidos por Marília Pêra, conseguiram a proeza de ficar 11 anos em cartaz. Os dois atores, no auge da técnica e vigor físico, se alternavam entre inúmeros personagens, alternando gêneros e trocas de roupas em velocidade vertiginosa.

Certa vez, em uma das inúmeras visitas à antiga redação do jornal A Tribuna, de Santos, encontrei com ele na recepção. Estava acompanhada da querida amiga Nancy Alonso que me apresentou: “este é músico”. Ele, então, soltou um enorme palavrão e falou, para gargalhadas gerais: “pior que isso só ser ator!” 

O que mais me espantou naquele dia, além de seu humor peculiar, foi a extrema simplicidade com que estava vestido, de bermudas, sandálias e camiseta. Nada nele, nenhuma espécie de exotismo nas roupas, denunciava ou enfeitava o grande artista que sempre foi. 

Ney Latorraca partiu para a eternidade. Estará na companhia de outras santistas fundamentais para as artes cênicas, entre eles Sérgio Mamberti, Plínio Marcos, Tanah Correa, Rubens Ewald Filho e tantos outros. Uma grande e irreparável perda.

* Jornalista



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