Ruy Castro*
Ontem, Paula Cesarino Costa sugeriu que, se um dia Woody Allen rodar seu esperado filme no Rio, não precisará inventar nada -os personagens já existem, com ou sem guardanapo na cabeça. Mas as chances de Woody filmar aqui, como fez em Londres, Paris, Barcelona e Roma, são mínimas. Há certa incompatibilidade entre ele e o Brasil.
Woody não gosta de sol, de calor e da exuberância eufórica comum aos nativos dos trópicos. A paisagem também não lhe diz nada. Sua ideia de um "dia bonito" é um céu leitoso, com chuva fina por dias seguidos e temperatura na casa dos 10ºC, ideal para a depressão. Em seus filmes, os atores estão sempre de suéter, casaco, punhos e golas abotoados -não se veem braços ou sequer gogós nus em cena- e se perguntando sobre de que serve a vida se um dia vamos morrer.
Você dirá que, em "A Era do Rádio", de 1987, Carmen Miranda abrilhanta a trilha sonora, e Denise Dummont, em pessoa, canta "Tico-tico no Fubá". Sabe-se ainda que ele é fã de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, que leu em inglês. Mas foi também Woody quem, no passado, se referiu ao Brasil como um "one-crop country" (país agrícola, monocultor, símbolo do atraso) e se queixou de ser admirado em "países onde se torturam pessoas" -como se seus fãs brasileiros compactuassem com a tortura.
O Brasil para Woody é o de filmes como "Voando para o Rio" (1933), com Fred Astaire, ou "A Caminho do Rio" (1947), com Bing Crosby e Bob Hope -ou seja, um cenário de estúdio, da RKO ou da Paramount. A ideia de passar meses aqui, absorvendo "cultura" que lhe renda um filme, deve parecer-lhe ainda mais sem sentido do que um fim de semana em Los Angeles.
E, com o sucesso de "Meia-noite em Paris", ele recuperou o crédito para voltar ao seu cenário favorito: Nova York.
*Escritor
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