Factoring entra na mira da investigação
Os contratos entre a Delta e o governo do Rio podem ter sido alvos de uma triangulação que envolveu empresa de factoring. O ex-deputado federal Fernando Gabeira (PV) pegou carona nas denúncias que vêm sendo feitas pelo deputado federal Anthony Garotinho (PR) contra o governador Sérgio Cabral (PMDB) e identificou Georges Sadala Rahin como o dono da empresa de factoring que faria a intermediação e facilitaria a lavagem de dinheiro. Sadala aparece nas fotos veiculadas no blog do Garotinho em que Cabral confraterniza com o dono da Delta, Fernando Cavendish, em Paris.
Nos últimos dias, Garotinho vinha prometendo revelar o nome do último personagem que estava em fotos divulgadas em seu blog. Mas foi Gabeira quem primeiro contou que trata-se de Sadala, dono da factoring Lavoro, especializada em comprar recebíveis de dívidas de empreiteiras com o Estado. "É o meio de campo entre empreiteiras e Estado" afirma Gabeira em seu blog.
No grupo, que festeja num restaurante de Paris com guardanapos presos na cabeça, estão também o empresário Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta, o secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, e o de Educação, Wilson Risolia. Em outra fotos posadas aparece também Cabral.
Segundo especialistas do mercado, em tese, a operação de venda de direitos creditícios, títulos de dívidas, é comum. Alguns deles, porém, estranharam o fato de empreiteiras se utilizarem deste mecanismo, já que elas devem demonstrar ter capital suficiente ou uma fonte de financiamento para se candidatar à licitação de uma obra pública.
Segundo advogados ouvidos pelo Valor, a factoring pode atuar de duas maneiras para lavar o dinheiro de contratos públicos. Na primeira, uma empreiteira recebe dinheiro proveniente de atividades ilegais e simula, em conluio com uma factoring, um empréstimo: o dinheiro sujo recebido é repassado à factoring, que justifica a entrada de caixa com qualquer operação financeira (como emissão de papéis). Em seguida, "empresta" esse dinheiro à empreiteira, que agora tem um dinheiro lavado em mãos, pois se trata de valores obtidos por meio de empréstimo. A factoring nem precisa justificar as parcelas não pagas depois, já que o calote é justamente o risco desse negócio.
A segunda alternativa é mais simples. Uma empreiteira vende créditos inexistentes a uma factoring. Para lavar dinheiro proveniente de atividades ilegais, entrega esse dinheiro à factoring, simula a venda de recebíveis e recebe o mesmo dinheiro que entregou. Assim o dinheiro sujo foi inserido na economia - a empresa justifica dizendo simplesmente que vendeu recebíveis.
Nos dados do governo do Estado, segundo o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), especialista em orçamento, não é possível verificar quanto a Lavoro teria recebido ano a ano, já que o contrato do Estado é com as empreiteiras e é a elas que o sistema informa ter pago.
Em seu blog Garotinho fez outras revelações sobre a relação do Sadala com o governador do Rio. O deputado federal diz que Georges Sadala era "um empresário malsucedido" e mostra seis pequenas empresas suas que foram fechadas entre 2007 e abril de 2011. No entanto, hoje, segundo Garotinho, Sadala é dono de cinco empresas entre elas a Gelpar Empreendimentos e Participações, que faz parte do Consórcio Agiliza, responsável por administrar o sistema Poupatempo na cidade. Desde 2009, segundo demonstra o ex-deputado, a empresa recebeu R$ 57 milhões do Estado e recebeu "o quarto aditivo assinado em 29/11/11, que reajustou o valor do contrato para mais de R$ 2,3 milhões por mês", afirma.
No consórcio, a Agiliza é sócia da Facility Tecnologia, que pertence ao empresário Arthur Soares. O grupo Facility também já foi envolvido em denúncias de superfaturamento no Estado. Um dos maiores fornecedores de serviços do Rio, a empresa já foi denunciada pelo Ministério Público, em 2011. Os procuradores movem ação por crime contra a ordem econômica, sob a acusação de licitações fraudulentas no Detran de 2003 a 2009. O grupo não comenta as ações, mas confirma fazer parte do Consórcio.
Na Assembleia Legislativa do Rio a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as relações próximas do governador com empresários é remota, em função da grande maioria que Cabral tem na casa. Ainda assim, os deputados Marcelo Freixo (PSOL) e Janira Rocha (PSOL) enviaram à mesa um projeto para que a CPI investigue os contratos da Delta.
Outra estratégia é focar nas viagens reveladas por Garotinho. Além de Freixo, a deputada estadual Clarissa Garotinho (PR) também começou a buscar assinaturas para duas CPIs. Ambas já contam com 14 assinaturas, inclusive de parlamentares de partidos da base como o PP, PT e PV. São necessárias 24.
Para Clarissa, alcançar todas é improvável. "A nossa esperança é que ele [Cabral] seja ouvido na CPI do Cachoeira em Brasília", afirma. Freixo também acredita que a situação em Brasília possa influenciar na abertura de investigação no Rio. "Se a CPI de Brasília quebrar o sigilo telefônico de Cavendish pode ser que mude, que gere outro clima".
Sadala também tem negócios com o governo de Minas. Ele é amigo de anos do senador Aécio Neves (PSDB). Aécio foi padrinho de seu casamento. "É uma relação social, de amizade, de muitos anos. Daí eu ter sido padrinho dele", disse ontem Aécio por meio de sua assessoria.
Em junho de 2010, três meses depois de Aécio ter deixado o governo para disputar uma vaga no Senado, seu sucessor, Antônio Anastasia, abriu uma licitação para conceder por meio de uma parceria público-privada a implantação e a gestão de postos da Unidade de Atendimento Integrado (UAI) pelo Estado. Trata-se de uma rede atendimento que presta serviços como emissão de carteiras de identidade, carteira de trabalho, passaporte, seguro desemprego e outros.
A Gelpar, de Sadala, integrou o consórcio vencedor da licitação. O Consórcio Minas Cidadão tem ainda outras três empresas: a Shopping do Cidadão Serviços e Informática Ltda., a Alternativa Consultoria e Participações Ltda. e a B2BR Business to Business Informática do Brasil S/A.
O concessão tem duração de 20 anos e o valor anual do contrato é de cerca de R$ 15 milhões, informou ontem o governo de Minas -- um total de R$ 300 milhões. O consórcio é responsável por implantar e gerir unidades da UAI nos municípios de Betim, Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros, Uberlândia e Varginha.
O consórcio, ainda segundo o governo, fez um investimento de R$ 20 milhões para a implantação dos serviços e só começará a ter retorno financeiro a partir do sexto ano de atividade.
O governo de Minas informou também que o edital da licitação foi previamente submetido ao Ministério Publico Estadual e que os serviços prestados pelo consórcio representam uma economia de 30% sobre os custos da execução direta dos serviços feita pelo Estado.
O governo do Rio não se pronunciou sobre a informação de que a empresa de Sadala faz intermediação financeira de seus contratos com a Delta. Procurado pela reportagem, o empresário não foi encontrado. A esposa de Sadala disse que ele não estava em casa e que o informaria sobre o interesse do jornal em falar com ele.
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