Leonencio Nossa*
Um casarão no meio do semiárido pernambucano guarda duas memórias de poder e corrupção. Pelos corredores e salas do Chalé Villa Maria, construído em 1919, em Salgueiro, a 518 quilômetros do Recife, entrecruzam-se uma história do coronelismo e outra do tempo presente. O palacete serviu de residência para Veremundo Soares (1878-1973), um dos mais conhecidos coronéis do sertão, e mais recentemente foi cenário de festas juninas que contaram com a presença do bisneto dele, Fernando Soares Cavendish, dono da Delta, empreiteira envolvida no escândalo Cachoeira. ...
Um casarão no meio do semiárido pernambucano guarda duas memórias de poder e corrupção. Pelos corredores e salas do Chalé Villa Maria, construído em 1919, em Salgueiro, a 518 quilômetros do Recife, entrecruzam-se uma história do coronelismo e outra do tempo presente. O palacete serviu de residência para Veremundo Soares (1878-1973), um dos mais conhecidos coronéis do sertão, e mais recentemente foi cenário de festas juninas que contaram com a presença do bisneto dele, Fernando Soares Cavendish, dono da Delta, empreiteira envolvida no escândalo Cachoeira. ...
Foi do Villa Maria que Veremundo mandou e desmandou. Foi um visionário, dizem seus descendentes. Sempre atrás de benesses do governo, curtia a vida, se possível ao lado de homens poderosos, e vivia à sombra de políticos que estavam no comando, narram historiadores.
A poucos quarteirões do casarão, o engenheiro Inaldo Soares, do antigo DNER, neto do coronel, montou em 1961 uma empresa especializada em recuperar rodovias, a Delta Construções, transferida depois para Recife.
Herdeiro do estilo político do avô, Inaldo conseguiu contratos milionários tapando buracos de avenidas da cidade. Ele morreu nos anos 1990, em decorrência de problemas de coração. O filho dele, Fernando Soares Cavendish, nascido na capital pernambucana, passou a tocar a empresa que, graças aos laços políticos da família, já tinha experiências em contratos generosos com os governos estaduais. Em 1994, o empresário transferiu a sede da construtora para o Rio.
No Rio, o bisneto do coronel Veremundo aproximou-se com desenvoltura dos governadores Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Sérgio Cabral.
Frequentador de baladas no Rio, Cavendish costumava ir a Salgueiro para participar das festas de São João no chalé, tradição iniciada no começo do século 19 pelo padre Joaquim Soares, pai do coronel Veremundo.
No clássico Coronel, coronéis, apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste, Marcos Vinícius Vilaça e Roberto Cavalcanti de Albuquerque afirmam que Veremundo foi um dos três mais destacados coronéis pernambucanos do século 20 - Chico Hieráclito e Romão Sampaio eram os outros dois. Um parêntese curioso: o exemplar do livro utilizado nesta reportagem, adquirido num sebo de Brasília, tem uma dedicatória do primeiro autor a Márcio Thomaz Bastos, advogado de Carlinhos Cachoeira, citado como parceiro da Delta.
Império. Veremundo formou um império, que incluía farmácia, curtume, casa de saúde, empresa de energia elétrica, beneficiadora de algodão, loja de tecidos e fazenda. Nunca escondeu que era filho de um padre, mas evitava comentários sobre ajudas e apoios dos governadores e parlamentares. Quando Etelvino Lins, de um grupo político contrário, assumiu o Palácio do Campo das Princesas, em 1945, o coronel começou a perder força.
Representantes da família procurados pelo Estado falaram tranquilamente das práticas políticas de Veremundo e das intenções de criar um Museu do Coronelismo no velho casarão - o tempo parece ter aliviado a irritação dos Soares diante de críticas sobre práticas da família. Mas ao ouvirem perguntas sobre Cavendish, desligam o telefone. Uma filha do coronel, quase nonagenária, disse que não admite a associação das duas histórias.
Ainda hoje, os Soares não têm o costume de pedir, mas de exigir. A proposta do museu conta com o apoio do poder público, como quase todos os projetos do tempo do coronelismo e das últimas décadas. Nas ruas de Salgueiro, já é chamado de Museu da Delta ou Museu da CPI.
Coronel moderno. O bisavô de Cavendish usava roupas despojadas e estava sempre atento a novas tecnologias, à leitura, às coisas boas da vida. Veremundo foi um dos primeiros a andar de automóvel no sertão. Gostava de viajar para o Rio e para Recife, e não abria mão de bons restaurantes e clubes de dança. Era truculento nos negócios e gentil no trato com autoridades. E nunca deixou de estar atento aos movimentos econômicos e políticos de Pernambuco. Cavendish, o bisneto, muito menos. Mesmo com a Delta sediada no Rio, ele arrancou contratos com os governadores Jarbas Vasconcelos (R$ 2 milhões) e Mendonça Filho (R$ 3,5 milhões).
Com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, tomou a frente de canteiros de obras da União. Só com o governador Eduardo Campos, a Delta abocanhou contratos que ultrapassaram R$ 100 milhões no ano passado.
Cavendish não dispunha de máquinas e homens para alcançar o posto de principal empresa do PAC. Mas se ajustou à dupla formada pelo então presidente Lula e sua exigente ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que nunca esconderam pressa e a vontade de 'transformar' o Nordeste.
O empresário é a face nova que ilustra as velhas oligarquias, sempre dispostas a 'colaborar' com o poder central. Fez o que os Soares sempre souberam fazer: conversar com as autoridades.
Em tempos de crise, Veremundo esperava, no casarão de Salgueiro, a ação dos parceiros influentes nos palácios. Na semana passada, a CPI do Cachoeira evitou quebrar os sigilos do bisneto do coronel.
*Enviado Especial a Salgueiro (PE)
Fonte: Estadão - 20/05/2012
Fonte: Estadão - 20/05/2012
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